sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A crise mundial e a impropriedade dos remédios

por Alfredo Marcolin Peringer*

Não são poucas as críticas dirigidas em passado recente ao sistema financeiro pela crise mundial, críticas até procedentes, se o alvo fosse a parte governamental do sistema. O setor financeiro privado assumiu, de fato, riscos exagerados, por lidar com empresas do governo, próprios do Efeito Pangloss, em que os indivíduos são induzidos a trabalhar com a melhor das hipóteses na avaliação dos lucros e incertezas (Samuel Staley and Anthony Randazzo, Freddie Mac and Fannie Mae Were Never Privatized). Os economistas, tirante, talvez, keynesianos e socialistas, sabem que o setor financeiro privado é um mero coadjuvante das crises: não tem poder de criar dinheiro inflacionário. Esse poder pertence aos bancos centrais, parte governamental do sistema que, no mais das vezes, usa esse poder com deszelo, emitindo moeda de forma exagerada, em dissonância com o crescimento dos bens e serviços e gerador das recessões.
Não custa lembrar que foi à má atuação dessas entidades que levou o “Consenso de Washington”, encabeçado por John Willianson e diversos economistas, inclusive do FMI e BIRD, a recomendar, em 1989, o “afastamento do Estado do setor financeiro”. E a recomendação tem forte apoio teórico e empírico. Ludwig Von Mises mostra que sem a atuação dos bancos centrais, as crises não existiriam ou seriam fracas e efêmeras (The Theory of Money and Credit). Racionalmente, defende a substituição deles por emissões de moeda ancoradas e conversíveis no peso do ouro, com reservas ao nível de 100%. Milton Friedman também clama pelo fim dessas instituições, mas acha que seria suficiente um sistema de emissão de moeda automático e paulatino, entre 3% a 5% ao ano.
Não é por coincidência que as crises financeiras eram amenas e passageiras antes da criação do FED (banco central americano) em 1913. Na época, foram ignorados os ensinamentos de Jean-Baptiste Say, como o de que a moeda não tem vida própria: nasce com as etapas produtivas, formadas de baixo para cima, através das ações dos indivíduos. O dinheiro criado por atos burocráticos, de cima para baixo, em desconexo com a produção, é falso. Mesmo que vá para os setores em queda, não vai recuperá-los. Ainda que possa amenizar as necessidades de alguns, o aumento global do consumo, em detrimento das reais necessidades de poupança, será um obstáculo na busca do equilíbrio. Foi, aliás, o desconhecimento do que seja realmente moeda e das suas funções que deram o recorde ao Brasil de país com as mais altas taxas inflacionárias no mundo, pelo mais longo tempo. Esse desconhecimento também ocultou o vínculo existente entre a desordem monetária e as nossas mais de duas décadas de crescimento econômico amorfo, aquém do medíocre. Pulamos de uma carga tributária per capita de R$ 870,91 em 1994 para R$ 4.943,16 em 2007, quando o soerguimento exigia uma redução drástica dos gastos públicos, necessários para liberar poupança para a economia. Voltamos, agora, a usar remédios impróprios para a enfermidade, forçando mais liquidez no sistema. A moeda falsa, mais do que uma pajelança, vai mascarar a cura das feridas antigas e criar novas, debilitando ainda mais o doente.
Economista

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A crise americana e os erros econômicos da intervenção estatal

Alfredo Marcolin Peringer*

O governo americano não esconde a seriedade da crise imobiliária e financeira do seu País. Nem poderia. Os problemas das gigantes Fannie Mae e Freddie Mac (FF), do mercado hipotecário, e da American International Group (AIG), do mercado de seguros, estão sendo equacionados com dinheiro público. Ademais, o pedido de recursos, no valor de US$ 700 bilhões, em estudo no Congresso, para ajudar, quem sabe, a Lehman Brothers, a Merrill Lynch's e, por certo, outras empresas do sistema financeiro, já é considerado insuficiente pelo governo, diante de novos cálculos oficiais que estimam agora necessidades de US$1,3 trilhão (http://www.lewrockwell.com/orig9/quinn8.html).
Por enquanto, o governo americano vem eximindo-se da culpa, provavelmente por conveniência. O País encontra-se em ano eleitoral e ninguém quer perder votos com declarações ou ações arriscadas. Mas Frank Shostak, professor vinculado ao Mises Institute, mostra vínculos empíricos da culpa do governo: “entre janeiro de 2001 e junho de 2004, o FED, banco central americano, baixou as taxas dos fundos federais de 6% para 1% a.a., pondo em ação o inchaço da bolha imobiliária” (Can the Rescue Plan Fix the US Economy?). De fato, a queda dos juros inundou de liquidez a economia, dando lastro ao aumento da procura, dos preços, das hipotecas e dos títulos imobiliários. Shostak complementa que quando o FED voltou a subir as taxas para 5,25% (isso de 06/2004 a 09/2007), os estoques de casas residenciais, que haviam chegado a um pico em meados de 2005, começaram a desinchar, lentamente, até o quarto trimestre de 2007, quando estourou a falência dos primeiros dealers do ramo.
Mas a relação das crises com a má gestão monetária não se fundamenta em dados empíricos, mas na razão, dentro de um contexto praxiológico. Como no refrão, “tudo que sobe, desce”, os booms têm impulsão, pico, declínio e explosão. E não há, como nos ensina Ludwig Von Mises, “salvação para os empregos, matérias-primas e máquinas criados artificialmente pelo governo” (The Causes of the Economic Crisis). São as ações dos indivíduos, orientadas pelo sistema de preços, que determinam, de forma dinâmica, o que e o quanto vai ser produzido e mantido em estoques, assim como com relação ao uso de mão de obra em cada etapa produtiva. Cada estágio de produção, na empresa ou em nível global, é acompanhado do quantum monetário, tornando-se impossível a diferenciação teórica entre investimento e poupança, como os keynesianos apregoam que exista. Nada mais ilusório se esperar que a ajuda governamental preencha as lacunas produtivas ou mantenha os níveis de preços, custos e rentabilidade empresarial de pico ou de equilíbrio. Nunca as injeções de moeda transformar-se-ão em poupança real. Acabam apenas desestruturando o sistema de preços e a relação de equilíbrio entre poupança e consumo.
Não podemos nos deixar enganar pela versão governamental. O pacote americano, caso aprovado, vai transformar uma recessão passageira num estado depressivo de longa duração.
http://www.professorperinger.blogspot.com/

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A virtude do egoísmo

Alfredo Marcolin Peringer*

Muita gente por certo se indignou com pesquisa divulgada recentemente pelo instituto Vox Populi: 85% dos entrevistados acreditam que os políticos agem em benefício próprio. O resultado é um retrato fiel do grau de insatisfação dos brasileiros com seus representantes. Mas quem estuda Economia sabe que o auto-interesse é um comportamento essencialmente humano. Adam Smith, há dois séculos, alertou que “não é da benevolência do padeiro ou do açougueiro que se deve esperar o pão e a carne de cada dia, mas do seu auto-interesse”. Ayn Rand foi mais incisiva. Em seu A Virtude do Egoísmo A verdadeira ética do homem: o egoísmo racional, expõe que o egoísmo racional é benéfico econômica e socialmente. Conclui, inclusive, que “sem ele é impossível a sobrevivência do gênero humano na Terra”.Mas foi Ludwig Von Mises quem demonstrou, categoricamente, no seu compêndio Ação Humana (1949), que esse “egoísmo” não é um atributo do cargo ou da função dos indivíduos, mas das suas ações, prevalecendo tanto na iniciativa privada quanto na pública. Só que, na privada, Smith cita uma “mão invisível” que uniria o interesse individual ao coletivo. Na pública, Hans-Hermann Hoppe, filósofo seguidor de Mises, diz que há conflitos. “Motivadas pelo interesse próprio, pela desutilidade do trabalho e com o poder de taxar, as ações dos servidores governamentais tendem, invariavelmente, para a maximização dos gastos e minimização da produção”, concluindo que: “Quanto mais dinheiro gastarem e quanto menos horas trabalharem, mais satisfarão os seus interesses” (The Future of Liberalism).Hoppe também acusa o poder governamental, em colóquio do Mont Pelerin Society (Barcelona, 1997), pelo mais de um século de declínio do liberalismo (e agigantamento do Estado!). Fundado nas leis praxiológicas e na prevalência do interesse próprio nas ações humanas, vem demonstrando que há uma incompatibilidade dos regimes democráticos com os da propriedade privada dos meios de produção, base da economia de mercado: o interesse próprio, benéfico no mercado, torna-se extremamente deletério no setor público. De fato, o tamanho do Estado, medido pela carga tributária, não alcançava dois dígitos percentuais do PIB no mundo há cerca de um século (7% do PIB no Brasil em 1920, segundo o Ipea).
A pesquisa Vox Populi revelou uma situação que precisa ser equacionada, antes que alcance dimensões totalitárias. Milton Friedman sugere regras constitucionais claras como freio ao crescimento desbaratador do Estado. Mas são inconsistentes. Ele subestima a força do interesse próprio no setor público: as regras são alteradas sob os mais estapafúrdios pretextos. As soluções consistentes têm que contar com um sistema semelhante ao privado: que unam os dois interesses, o individual e o coletivo.
*Economista

terça-feira, 29 de julho de 2008

A alta do preço dos alimentos, a inflação, os juros e a moeda.

por Alfredo Marcolin Peringer*

O presidente Lula, preocupado com a alta do preço dos alimentos, afirmou que o “melhor remédio para combater a inflação é aumentar a produção". As donas de casa que costumam ir aos supermercados gostam de ouvir isso. O povo brasileiro em geral tem ojeriza à inflação e gostaria de evitar as variações constantes dos preços dos alimentos, uns mais, outros menos. Mas os economistas sabem que essas variações não são inflacionárias: trata-se de “aumento dos preços relativos”. Milton Friedman, no seu livro “Liberdade de Escolher”, nos ensina que “a inflação é um problema eminentemente monetário”. Não existe, assim, a tal inflação de custos, apenas a inflação de demanda. No caso de o Banco Central do Brasil (BC) não aumentar a quantidade de moeda, a alta dos preços de uns alimentos tem que ser compensada com a queda de outros ou de suas quantidades.
Outra falácia muito difundida entre os economistas do governo — que o vice-presidente José Alencar vem tentando corrigir! — refere-se ao uso das variações das taxas de juros como meio de controlar a inflação. Friedman ajuda a reparar esse erro com certo humor, ao fazer uma analogia jocosa de Demetrius, personagem shakespeariano de “A Midsummer Night’s Dream”, com o FED, Banco Central americano. Diz que “Demetrius evita Helena, que o ama, para perseguir Hermia, que ama outro”. O FED, analogamente, “desvia o seu coração do controle das quantidades de moeda (que seria o seu verdadeiro amor), para as taxas de juros, sobre as quais não tem nenhum controle”, e, seria de acrescentar-se, tampouco afinidade.
Infelizmente, no Brasil as relações do BC com o Tesouro Nacional são diferentes daquelas que o FED mantém com o Tesouro Americano. Aqui o BC é refém de um governo gastador, que não se contenta com uma receita tributária na casa de 37% do PIB, obrigando-o a administrar uma dívida em títulos de cerca de R$ 1,26 trilhão. Mas são relações promíscuas. Não é papel de um banco central clássico ajudar na gastança do governo. Aliás, segundo Friedman, nem precisariam existir bancos centrais, apenas um mecanismo que aumentasse paulatinamente em 4% ao ano a quantidade de moeda em poder do público e dos depósitos nos bancos comerciais, pois considera-os uma fonte de custos e de desestabilização econômica. Aliás, o nosso BC é um exemplo vivo desse mau desempenho. Mantemos o recorde de ser o País a ter, pelo período mais longo de tempo, as mais elevadas taxas inflacionárias no mundo.
A preocupação do Presidente Lula, ainda que louvável pela boa fé, não deve ser dirigida ao setor produtivo, mas ao BC, sob o seu comando, exigindo que essa Instituição reduza outra produção: a de moeda. Isso porque esse é o único remédio eficaz e duradouro para evitar o recrudescimento da alta geral e contínua dos preços.

*Economista

quinta-feira, 29 de maio de 2008

A inflação é a pior desgraça para os salários?

por Alfredo Marcolin Peringer* (Zero Hora, 29 de maio de 2008 N° 15616)

A mensagem do presidente Lula de que "a inflação é a pior desgraça para o povo que vive de salário" parece ser sincera. Afinal, foi por iniciativa do presidente que o Banco Central do Brasil (Bacen) é hoje uma instituição autônoma, ao menos operacionalmente. Sem falar que a sua diretoria encontra-se blindada contra os ataques dos "desenvolvimentistas", segmento, dentro do seu próprio governo e partido, que pressiona por mais liquidez monetária, imaginando, erroneamente, que vá "impulsionar o crescimento econômico". Talvez o presidente já tenha ouvido falar em Friedrich von Hayek, um dos precursores da escola econômica austríaca. Hayek já mostrou, categoricamente, que o excesso de liquidez leva às crises econômicas. No seu último livro, Fatal Conceit, ironizando a facção desenvolvimentista afirma que "a moeda é... entre todas as coisas, a menos entendida e - talvez com o sexo - o objeto das maiores e das mais irracionais fantasias; e, como o sexo, ela simultaneamente fascina, intriga e repele". Sabemos que Lula presenciou no final da década de 80 o desajuste econômico causado pelo desentendimento monetário em nosso país. Viu o povo rebelar-se contra os supermercados e produtores de gado, instigados por um governo que imaginava que eram eles que causavam a alta dos preços, ignorando que a causa estava dentro do Bacen.

Temos que reconhecer que o entendimento monetário evoluiu bastante nesse meio tempo em nosso país. Mas não a ponto de se vir a isolar o Bacen e o governo das críticas economicamente racionais. Entre elas, a de que vem mantendo: a) um crescimento monetário ao redor de 20% ao ano, nível que pressiona a inflação para dois dígitos; b) altas taxas de juros, com conseqüências adversas para a sociedade; c) um endividamento que alcança 47% do PIB, "contra 20% dos países com o mesmo nível de risco", adverte a diretora da Standard & Poors, Lisa Schineller (a mesma que nos concedeu recentemente o "grau de investimento"). Não se pode defender o Bacen, acima de tudo, pela falta de criatividade na condução da política monetária. Resume-se em inchar os saldos de moeda pelo ingresso de divisas estrangeiras e desinchá-los pela venda de títulos públicos, deixando, nesse processo, um rastro de desequilíbrios (só no primeiro trimestre de 2008, os gastos com os juros da dívida pública alcançaram R$ 37,6 bilhões e devem chegar a R$ 150 bilhões no ano).

Mas o presidente precisa reconhecer que a carga tributária também é uma desgraça para os salários do povo. E a política monetária sem brilho do Bacen não fica atrás. Pressiona a carga tributária para cima, aumenta os custos financeiros empresariais e desvia o crédito do setor privado para o público, fatores que levam à queda da produção, da renda e dos empregos, fatal para os pobres.
*Economista


*Economista

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Ok Keynesianos, onde estais vós?

Há poucos dias recebi um artigo do economista polonês Mateusz Machaj, com o título shakespeareano “Oh Keynesian, Where Art Thou?” referindo-se, ironicamente, à incapacidade de os economistas keynesianos explicarem as causas e a cura das crises mundiais. Machaj é seguidor da escola econômica austríaca, cujos expoentes são Ludwig Von Mises, Murray Rothbard e Henry Hazlitt. A Escola destaca-se por adotar um enfoque econômico filosófico nos seus ensinamentos, com princípios permanentes, válidos no tempo e espaço. E Hazlitt foi o primeiro deles a mostrar, de forma ampla e apodítica, no seu “The Failure of the ‘New Economics’ - An Analysis of the Keynesian Fallacies”, as falsidades dos ensinamentos keynesianos, como a de que “não se precisava mais preocupar com as crises econômicas: o governo já saberia como curá-las”. Bem ao contrário, o autor demonstra que além de o governo não ser a cura para os males econômicos, ele é a própria doença.

Os economistas da Escola Austríaca, ainda que considerem Keynes uma pessoa carismática e inteligente, mostram um pensador falacioso no campo teórico. De fato, sua Teoria Geral é cheia de falhas axiomáticas, de termos vagos e imprecisos, legítima mixórdia conceitual, pobre de conteúdo científico. Em seus ensaios biográficos sobre Marshall e Edgeworth Keynes condena o método matemático na economia, mas a sua teoria geral usa e abusa desse método. E de “forma fraudulenta”, complementa Hazlitt, dando ênfase que as suas equações da demanda e da oferta agregada “confundem e misturam fatos reais com expectativas”. Nela os juros são um “prêmio pela ausência deliberada da liquidez”, conceito no mínimo impreciso, já que todo sistema de trocas monetárias é uma renúncia à liquidez. As falácias se agigantam quando tenta, com o conceito dos juros, validar dois neologismos econômicos: a) o da “preferência por liquidez” (percentual da renda que os indivíduos vão manter na forma de dinheiro, em função dos juros); e o da b) “propensão a consumir” (percentual da renda que vão gastar em bens e serviços). A idéia era explicar outro neologismo, o da demanda efetiva “insuficiente”, responsável, segundo ele, pelos desequilíbrios entre oferta e demanda que derivariam da “superprodução de bens e serviços”, da “preferência pela liquidez” ou da baixa “propensão a consumir”, fenômenos que julgava, erradamente, serem as causas das crises econômicas.

No curso dessas diatribes econômicas revogou a Lei de Say (a “oferta gera a sua própria demanda”), teoria que demonstra, categoricamente, que a Oferta sempre tenderá a se igualar à Demanda, desviando-se de maneira sistemática apenas por interferência governamental. No mercado, o excesso de produção de uma mercadoria é localizado e se compensa com a menor produção de outra, levando, inclusive, a de maior produção a cair de preço. O fato é que mesmo o “entesouramento especulativo de moeda”, hipótese aventada por ele, não causa desequilíbrio entre oferta e demanda: a redução da quantidade de moeda aumenta o poder de compra do dinheiro.

Mas será que o keynesianismo desapareceu como apregoa Machaj? Infelizmente, não! No Brasil criou-se, inclusive, uma associação com o fim precípuo de difundir seus princípios, atitude no mínimo anacrônica: trata-se de uma teoria hoje relegada à categoria de ideologia nas melhores escolas do mundo, justamente pela falta de embasamento científico.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

O gene egoísta e o meu pé de laranja-lima

A fama do biólogo evolucionista Richard Dawkins começou com seu livro O Gene Egoísta, no qual defende a tese de que o gene é a verdadeira e única unidade da evolução e da seleção natural. "São os genes que, em proveito próprio, manipulam os organismos sobre os quais navegam", diz. Ainda que os organismos sejam entidades mortais, sustenta que o gene é imortal: vem pulando de um corpo para outro ao longo de incontáveis gerações, a partir dos seus ancestrais peixes, minhocas, protozoários, bactérias, só para citar alguns.

Há muitos exemplos empíricos que se encaixam na tese genética do autor. No último fim de semana, por exemplo, o meu filho, tentando libertar em meu quintal um velho pé de laranja-lima de um parasito, comentou: "Que praga burra. Continua sugando a seiva da árvore, minguando seus frutos e pondo em risco a vida não só da planta, como a sua". Não entendeu nada quando respondi que não era ela, mas os genes instalados em seu DNA que a levavam a agir de forma míope e estúpida.

Mas Dawkins não se contentou em ficar no campo das ciências naturais. Foi mais adiante, criando a teoria memética, escrita em alusão à genética, só que aplicada ao campo das ciências humanas. No lugar do "gene", criou a figura do "meme", segmento de informação (idéia, pensamento, teoria, hábito, prática etc.) que é passado verbalmente ou por ação ao longo dos tempos em sociedade. Inobstante o autor não haja dado suficiente informação sobre a característica do "meme", onde e como ele evolui, pode-se aceitar, como um dos seus hospedeiros, o setor estatal, devido à grande metamorfose e ao seu gigantismo dos últimos tempos. E, de fato, o gasto público, agregado mais representativo desse segmento, pulou de pouco mais de 5% do PIB há menos de cem anos, para perto de 40% nos dias de hoje no Brasil.

Dawkins vem recebendo muitas críticas a sua teoria memética. As mais sólidas provêm das obras de Karl Popper, um dos gênios da filosofia da ciência. Entre elas a de que: a) as observações empíricas jamais podem ser consideradas verdades absolutas ou definitivas; b) a tese memética é refutada pelo método próprio das ciências humanas, a praxiologia, desenvolvido por Ludwig von Mises em sua magistral obra Ação Humana.

Mas as desavenças metodológicas precisam ser deixadas de lado: o problema estatal exige uma solução imediata. Afinal, tanto a tese do "meme egoísta" de Dawkins, quanto a do axioma da ação, fundamentado nas leis praxiológicas, mostram, claramente, a existência de uma lei de ferro que leva, com o tempo, ao inchaço da máquina pública. Ainda mais porque, caso não haja um tratamento de choque, a capacidade produtiva da economia brasileira, semelhantemente à do meu pé de laranja-lima, continuará definhando, perdendo o vigor, os frutos e a capacidade de se manter viva.

ALFREDO MARCOLIN PERINGER Economista
Zero Hora, 28 de fevereiro de 2008 N° 15524

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

O FÓRUM "SOCIAL" MUNDIAL E A CIÊNCIA ECONÔMICA

O prêmio Nobel de Física de 1997 recolheu-se humilde ao reconhecer no seu discurso de premiação da Academia Sueca que as ciências naturais, a exemplo da Física e da Química, não têm respostas mais verdadeiras a dar ao mundo do que as ciências sociais, como a Economia.

O reconhecimento desse fato, porém, não o torna humilde, mas realista. A Ciência Econômica ainda é o meio mais eficaz que temos para lidar com os problemas sociais e melhorar o padrão de vida da população. Como o homem age de maneira coerente, motivado pelo desejo de suprir seus desconfortos, pode-se prever as ações futuras das pessoas com relativa segurança, a partir de estímulos existentes ou criados no mercado. O principal estímulo à ação do Homem em sociedade ainda é o financeiro —para o "espanto" dos ingênuos— mas os não-financeiros, a exemplo dos prêmios honoríficos e outras láureas, também têm influência, embora em dadas circunstâncias.

Não se pode, porém, confundir o método utilizado pela Economia, com os métodos das ciências naturais. O objeto da Economia é o Homem e não um amontoado de moléculas, átomos e partículas. Os resultados se dão pela interação humana e, não, por experimentos com materiais. Ademais, a ação humana é individual. Não há ação coletiva, pois, como se pode facilmente deduzir, não há um ser humano coletivo, a não ser no mundo utópico dos socialistas.

Os socialistas acreditam ser possível a ação coletiva (os humoristas também, mas para fazer graça! — alguns por serem utópicos, mesmo). Mas nem o bom nem o mau humor conseguem esconder que o sistema socialista é antagônico aos princípios que regem a ação humana e que fracassou no mundo porque não dá condições às pessoas de realizarem o cálculo econômico. E, na ausência dele, a ação do homem é substituída pela coação do estado; a miséria toma o lugar da riqueza; a desavença, o desajuste e a exclusão sociais, substitui a solidariedade e a fraternidade prometidas. Tudo como resultado da queda da produção, da renda e dos empregos — única certeza que o sistema nos dá!

A Economia é diferente, também, das ciências naturais. Ela não permite que os burocratas coloquem num papel como as pessoas devem agir e manobre-as de acordo com o imaginado, como faz um engenheiro ao criar uma obra, montando-a e acompanhando-a até finalizar seu projeto, obtendo um resultado praticamente igual ao planejado. Infelizmente, para desgosto dos burocratas socialistas, isso não é possível. Por isso, as ações dos indivíduos no mercado têm sido comparadas aos movimentos dos astros no universo. A analogia diz respeito à irredutibilidade do curso deles ou à impossibilidade de controlar suas trajetórias, como gostariam os astrônomos. Mas, sabendo disso, o Homem procurou nortear sua vida na terra em harmonia com esses movimentos, como fez, por exemplo, ao criar os mapas de navegação, que tantos benefícios trouxeram à humanidade.

Os neo-socialistas precisam aprender essa lição. Em vez de criar regras que entravam a ação humana e que redundam em custos sociais e econômicos, deveriam adaptar-se aos postulados que explicam a ação dos indivíduos no mercado e extrair, com isso, maiores benefícios para todos. Não adianta rebelar-se contra o modo de agir das pessoas. O que precisam é adotar a política correta, como fez, consciente ou inconscientemente, o governo da cidade de São Paulo diante do caótico trânsito daquela capital. Permitiu que seus taxistas fossem remunerados também pelo tempo que levam para conduzir os passageiros e não, como é comum em outras capitais, pelos quilômetros rodados. Como os ganhos são praticamente os mesmos, a decisão transformou esses profissionais em pessoas mais gentis, sempre prontas a dar passagem aos outros motoristas, atitude racional, dentro das categorias da ação humana, pois não precisam mais andar em alta velocidade para largar um passageiro, pegar outro e fazer dinheiro. No final, todo trânsito acabou sendo beneficiado, pois, como Fredrich Hayek nos ensinou, o aprendizado, "feito por imitação”, acaba contagiando...

Mas os exemplos de como usar os fatores determinantes da ação humana para melhorar o desempenho social e econômico são infindáveis, tanto em casos particulares, quanto genéricos: a) um vendedor, cujo salário seja estabelecido por comissão sobre as vendas, tenderá a ter mais empenho em vender do que outro que tenha um salário fixo; b) um administrador de condomínio, cujo salário seja fixado em função das despesas do edifício, tenderá a gerar despesas mais altas aos condôminos do que outro cujas despesas sejam feitas de forma diferente; c) os altos impostos, ao reduzir os ganhos dos indivíduos ou a lhes causar prejuízos, desestimula a continuidade dos investimentos e provoca queda nos níveis de renda e de empregos; d) o combate ao tóxico, por ignorar as categorias da ação humana, aprofunda os custos sociais e econômicos do vício (mortes, doenças, gastos públicos, privilégios dos contrabandistas, entre outros), sem reduzir substancialmente o seu uso.

A verdade científica mostra que se os neo-socialistas, reunidos no denominado Fórum "Social" Mundial, quiserem, verdadeiramente, melhorar o meio social em que vivem têm que trabalhar com os fatores que influenciam a ação humana e não contra eles. Criar fóruns para discutir meios de vida diferentes desses é "ladrar contra a Lua"... e ficaria nisso, não fossem pelos custos sociais e econômicos que geram à população.

Alfredo Marcolin Peringer
Consultor Econômico
POA, 22/01/2001