quarta-feira, 27 de julho de 2011

A filosofia nihilista e a ciência praxeológica

por Alfredo Marcolin Peringer*

Introdução

O Nihilismo é um termo polêmico, com muitos significados, mas, de uma maneira geral, consiste na negação das realidades ou dos valores considerados importantes dentro de uma sociedade. Filosoficamente, trata-se da negação da existência ou do conhecimento das verdades universais. Seu primeiro mentor, o filósofo Friedrich Heinrich Jacobi, no seu “On Faith” (1787), insere que o objetivo das coisas, em si, não pode ser conhecido diretamente, a não ser pela fé ou crença. Para Jacobi, mesmo os objetos reais só existem através da idéia que se faz deles. Friedrich Nietzsche, outro proeminente nihilista, também defende não haver na existência humana algo com sentido ou propósito, assim como verdades compreensíveis ou valores essenciais, sendo tudo vazio. Os próprios valores morais são reconhecidos como algo abstratamente forçado, camuflado de egoísmo e hipocrisia. Em resumo, para ele: “Tudo é vão”! — em que a existência humana é algo apático e inerte e onde o próprio Bem e o Mal são produtos das emoções sociais. Qualquer verdade, segundo Nietzsche: “é necessariamente falsa, uma vez que, simplesmente, não há um mundo verdadeiro” (Will to Power). Alavanca as suas idéias numa sociedade livre, onde os indivíduos, agindo racionalmente e de acordo com as suas necessidades materiais, orientam-se na arte de bem viver pelo conhecimento adquirido no dia-a-dia. Ao condenar, porém: “todas as doutrinas que sugam as energias expansionistas da vida”, inobstante o quanto sejam aceitas pela sociedade, condena, pari passu, a sua própria doutrina, denominada de “life-affirmation“.

As críticas à Praxeologia

O ligeiro comentário anterior foi feito à guisa de introdução a um novo tipo de nihilista, dentro de um campo mais estreito da teoria do conhecimento humano, o da Praxeologia, ciência da ação humana, desenvolvida por Ludwig Von Mises. Esse tipo ora tenta desconstruir as bases filosóficas dessa ciência, ora o axioma da ação, o seu método praxeológico, as suas proposições a priori ou o seu comportamento propositado ou consciente. Inobstante os argumentos nihilistas sejam insustentáveis, sem abrangência e mal definidos, impossíveis de afetar o cerne da Praxeologia, as suas roupagens atraentes acabam influenciando a população leiga e ganhando espaço midiático e também adeptos. Tais argumentos lembram Platão, em Eutidemo, um dos mais antigos tratados sobre a lógica das palavras, escrito na forma de diálogos, quando ironiza os sofistas, mestres da arte erística, argüindo que para agregar conhecimento se precisa ir além das palavras: mostrar algo verdadeiramente útil e de cunho prático à vida das pessoas. Buscamos as lições de Platão, porque tanto a Utilidade quanto o Praticalismo são duas colunas sobre as quais se assenta a Praxeologia.

As críticas dos moralistas

Dentro do ranço nihilista, a Praxeologia já foi acusada pelos moralistas de estar sustentada em prazeres mundanos, confundindo o Utilitarismo praxeológico com o Epicurismo dos anos 300 a.C. vigente em Atenas. Bem ao contrário, os fundamentos praxeológicos utilitaristas podem ser interpretados também como “um estado feliz de espírito”, padrão de ética visado por Aristóteles e Santo Thomas de Aquino, e que estão presentes tanto nas ações que envolvem o comércio de bens e serviços, quanto na ida a um centro ecumênico. Ignorar os fundamentos éticos da ação humana é fechar os olhos para o fato de que, quando os indivíduos agem, eles não levam em conta apenas os limites da natureza, mas, também, as imposições legais e morais prevalecentes na sociedade. Ninguém vai agir, de uma forma consistente, se imaginar que vai cair num precipício ou ferir as leis e costumes morais aceitos pela sociedade.

As críticas à ação e ao método apriorístico

Outro ataque dos hackers praxeológicos verifica-se na ação, em si. Nesse caso, a acusação é a de que o homem não age. São acusações sem importância, devido às contradições que carregam, pois, para negar a ação, só recorrendo à outra ação, o que torna o argumento acusativo falso. Afinal, para contestar algo, tem que se praticar uma ação, seja pesquisando, seja escrevendo algo a respeito. Mas os “desconstrutores” não se intimidam com os próprios erros e partem para novas investidas. A última tentativa de refutação foi contra a categoria a priori, lançada por Paul Lewis, usando, confusamente, uma crítica com base no “argumento privatista” de Wittgenstein, feito contra os “modelos’ ou “planos” que são desenhados de maneira brilhante no papel, imaginando que o mentor que vá colocá-lo em prática tenha “olhos de águia” e consiga enxergar muito de cima e consertar os desajustes em tempo certo e de maneira lógica, e assim fazer com que tudo funcione perfeitamente. A título de ilustração, esse é o caso do brilhante modelo Walrasiano, bonito e prático... no papel. Mas, também, o da realidade socialista, cujo modelo é acusado por Mises de não passar de um daqueles “games de brinquedo”. A realidade é outra, bem diferente! Nela prevalecem as motivações individuais que, em total dissintonia com a central burocrática, levam os modelos ao fracasso. Só que o método apriorístico praxeológico não se adéqua ao argumento de Wittgenstein. Nele, como Mises comenta:

“A experiência é apenas a matéria prima da qual a mente constrói o que chamamos de conhecimento. Todo conhecimento está condicionado por categorias que precedem, no tempo e na lógica, quaisquer informações da experiência. As categorias são a priori; elas são o equipamento mental dos indivíduos que os habilitam a pensar e a agir. Como todos os raciocínios pressupõem categorias a priori é perda de tempo se tentar prová-los ou refutá-los” (The Ultimate Foundation of Economic Science).

Não há nada forçado na categoria “a priori” da ciência praxeológica, oculto, ou que não possa ser esclarecido pela razão ou, enfim, que exijam “olhos de pássaros” para orientá-lo, além do mercado. Os métodos empíricos, ou a teoria da falseabilidade de Karl Popper, podem até ser válidos para as ciências naturais, mas são inadequados para as ciências sociais.

As criticas ao caráter propositado ou consciente da ação

Outro ataque, diz respeito ao caráter propositado ou consciente da ação, desferido pelo nihilista H.L. Mencken, ao ironizar: “Não consigo me lembrar de ter desempenhado um único ato inteiramente voluntário”. Para ele, a ação humana é um produto da carga genética e da acumulação cultural do homem ao longo do tempo, adquirida pelos instintos, tornando a ação algo inconsciente e imprevisível. São conclusões hilárias, se não fossem trágicas. Para a Praxeologia não faz diferença a bagagem cultural ou intelectual das pessoas ou se uma ação provém de um indivíduo culto, inculto, enérgico, indolente ou, mesmo, psicótico. Todos agem almejando alcançar fins, independente da destreza ou do seu estado mental, desde que consciente. A “ação é o emprego de meios para atingir fins”, como ensina Mises (Ação Humana). Pode derivar de ações simples do dia-a-dia (troca de bens e serviços; tomar um táxi ou ir de metrô), ou complexas, visando o futuro (construção de uma usina atômica). A acumulação de conhecimento apenas facilita a ação, tornando menos arriscado os fins almejados, mas não a elimina. Ao contrário, a aprimora. A ação humana propositada funciona tão perfeitamente que Mencken não precisa nem se preocupar com o pão, o leite e o suco que lhe vêm na mesa todas as manhãs, dia após dia. Tudo isso é o resultado de atos conscientes. Pena ele não saber que esse formidável sistema de mercado é o resultado da ação humana propositada. Mas, para reavivar a memória dele, a crítica que faz ao comportamento propositado da ação — infundada, diga-se de passagem! — já consiste numa ação propositada, ainda que finja “não se lembrar”. Infelizmente, trata-se de mais um ataque proveniente de alguém que desconhece completamente a ciência praxeológica, coisa comum no terreno das “desconstruções” das ciências sociais, regida pela Praxeologia.

Conclusão

Cabe um registro final, à guisa de conclusão, para comentar que a grande lição que fica das “desconstruções” no campo da Praxeologia é a da total falta de entendimento do que realmente seja essa ciência e as suas proposições e os seus métodos, assim como seus fundamentos, pelos seus críticos. Nota-se que o desentendimento prevalece mais quando se trata da praxeologia econômica, paradoxalmente a mais desenvolvida das ciências humanas até o presente. Tudo porque, infelizmente, ainda que tenhamos o domínio de como usar as palavras, não temos a tecnologia para reconhecer e avaliar o real entendimento tanto de um sentimento, quanto de uma teoria ou de uma idéia por parte de quem critica, fala ou escreve. Precisamos lembrar os ditames de Platão, em suas críticas aos sofistas: Chega de retórica! Enfim, se os desconstrutores sociais quiserem, de fato, agregar algo à teoria do conhecimento ou, mais especificamente, ao campo da filosofia das ciências sociais, eles têm que ir além da erística e criar um arcabouço científico que seja tão útil e tão prático aos seres humanos quanto à ciência praxeológica, construída por Ludwig Von Mises. Só que, ao tentarem isso, vão fatalmente esbarrar em praticamente todas as categorias praxeológicas desenvolvidas por Mises, do axioma da ação, aos seus fundamentos filosóficos, seus princípios e métodos e suas proposições...

Julho/2011

terça-feira, 7 de junho de 2011

Melancólica Desilusão (16/01/78)

*Eugênio Gudin Filho

Dentre as coisas que eu almejava ver realizadas, antes que a avançada faixa etária a que pertenço chegasse ao desfecho final, figurava a esperança de ver desaparecer o nome de meu país entre os das nações latino – americanas governadas por generais que se revezam no governo, de forma mais ou menos pacífica e endêmica.

Tendo agora sido escolhido, em sucessão ininterrupta, para o governo da Nação, o quinto general, não tenho evidentemente qualquer possibilidade de ver realizada a minha esperança, já que a futura sucessão será em 1985...

Durante largo período de minha vida profissional, lidei com a administração de empresas estrangeiras (que só fizeram contribuir para o bem do Brasil). Isso me obrigava a curtas mas freqüentes estadas no exterior. E nem sempre era fácil desviar a conversa dos acontecimentos políticos da América Latina, em que geralmente se incluía o Brasil. Eu sempre destaco então três argumentos tendentes a mostrar que o Brasil não era um país sul-americano, como os outros:

1) Porque os Presidentes da República do Brasil saíam invariavelmente pobres do Poder.

2) Porque não se podia apontar no Brasil qualquer militar enriquecido no Poder, como Perón, Rocha Pinella, Perez Ximenez, etc.

3) Porque o Governo no Brasil não era exercido por generais ou coronéis, os quais só interviam na esfera política, em casos de crise, como “Poder Moderador”, de função temporária para o estabelecimento da Ordem Civil.

Confesso que não levava a defesa de nossos costumes e tradições políticas, eleições e processos partidários, muito além dos 3 itens supracitados, salvo no acrescentar que a espécie de democracia que funcionava no Brasil até 1930 tinha trazido ao Governo da República vários brasileiros lustres.

Não é portanto sem um sentimento de melancolia que, com eleição por 6 anos de um quinto general para o Governo do Brasil, vejo desfeitas as esperanças que nutria no campo de nossa estrutura política. O Brasil terá por Presidente um General, como a Argentina terá Videla; o Chile, Pinochet; o Paraguai, Stroessner, etc.

Acontece como agravante no caso que o novo Presidente, apesar de não ser um nome nacional, vai ser “de fato” escolhido “exclusivamente” por seu antecessor, sem a participação política dos Estados nem dos órgãos representativos da Opinião do País.

Não é que sob o regime da República Velha, a escolha do Presidente se realizasse de modo democraticamente modelar. Mas, como dizia Rodrigues Alves ao deixar o Governo do Estado de São Paulo em 1918, a escolha do Presidente há de ser sempre feita por acordo entre os partidos políticos majoritários dos grandes Estados, ou, em falta desse acordo, recair sobre um homem de valor vindo do Nordeste ou do Norte. Nunca por arbítrio pessoal de ninguém (todos sabem que o candidato “in petto” de Rodrigues Alves para seu sucessor, em 1906, era Bernardino de Campos e não Afonso Penna). Os nossos militares políticos de hoje devem portanto se lembrar de que “est modus in rebus”.

Quando da campanha civilista que precedeu a eleição de Hermes da Fonseca, único militar levado à Presidência, Ruy lembrou em carta que ficou célebre que as alternativas eram múltiplas. O Pará, por exemplo, poderia apresentar o Sr. Lauro Sodré, os Srs. Bias Fortes e Francisco Sales; São Paulo, os Srs. Rodrigues Alves, Bernardino Campos e Campos Sales; Santa Catarina, o Sr. Lauro Muller; o Rio de Janeiro, os Srs. Nilo Peçanha e Quintino Bocaiúva; o Rio Grande do Sul, os Srs. Pinheiro Machado e Borges de Medeiros; o Brasil, o Sr. Barão do Rio Branco. Parafraseando Ruy poder-si-ia talvez dizer que o Pará poderia apresentar o Sr. Passarinho, o Maranhão, o Sr. Sarney, Minas, o Sr. Magalhães ou o Sr. Aureliano Chaves, São Paulo, o Sr. Delfim, o Sr. Setúbal, o Sr. Sodré, o Rio Grande do Sul, o Sr. Krieger ou o Sr. Guazelli, a Bahia, o Sr. Luis Vianna.

Ninguém poderia alegar carência de nomes civis dignos da investidura. Nada disso importa na mais mínima prevenção de antipatia de minha parte às Classes Armadas, às quais cabe, na América Latina, a importante missão de manter a Defesa Externa do país, como a Ordem e a Segurança internas. A classe militar (antes o Brasil inteiro) pode se orgulhar de ter dado ao Governo do país um dos maiores estadistas de sua História. Infelizmente Castelo Branco reduziu ele próprio, o quanto pôde, seu período de Governo, enquanto agora trata-se de aumentá-lo.

Em dois recentes artigos que escrevi, procurei dar as razões por que entendo que os militares não são geralmente educados e preparados para o exercício do poder político do país (inclusive pela possibilidade trágica de uma sizania).

Todos os que me dão a honra de ler estes artigos sabem bem dos comedimentos com que recomendo o regime de nossa democracia, especialmente no tocante à interferência do Poder Legislativo na questão da despesa como nos feios necessários à Demagogia.

Mas daí a apoiar os AI de arbítrio e até desrespeitar o Poder Legislativo vai um abismo.

O acesso ao Poder Judiciário é um imperativo categórico mesmo em países apenas parcialmente desenvolvidos.

Daí a estranheza que me causou o fato de não ter o atual e ilustre Presidente, homem culto, experiente e preparado, dado execução durante seu Governo as providências de democratização que agora parece recomendar a seu sucessor. O país está em paz com todas as Nações, a Ordem e Tranqüilidade interna asseguradas, o terrorismo satisfatoriamente controlado. Não havia, nem há, necessidade de permitir desde já a volta ao cenário político do Partido Comunista e muitos menos dos badernistas de campeavam em 62/64.

A conjuntura econômica não é brilhante e dificilmente poderia sê-lo, porque do lado externo sofremos o gravame do petróleo e do lado interno uma inflação que excede 2% ao mês, situação que o Governo Geisel prefere suportar a enfrentar as agruras do desemprego e da recessão. Diante dessa “Mágica Tríplice”, a que se referem os economistas: estabilidade de preços, pleno emprego, e desenvolvimento, o Governo Geisel exerceu a opção de relegar a primeira a segundo plano, relativamente às outras duas. Nada portanto justificava que o Presidente Geisel transferisse o problema da democratização do país ao se sucessor.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

A inadequação dos índices de preços como medida inflacionária

por Alfredo Marcolin Peringer*

Na semana passada o Ministro Guido Mantega, analisando o IPCA do IBGE, índice de preços tido como “inflação oficial”, de 0,77% em abril (e alta de 6,51% em 12 meses), falou: “O grande vilão de abril foram os combustíveis”. Lendo a notícia me veio à lembrança que talvez não haja outro lugar no mundo onde a cultura dos índices de preços esteja tão arraigada como no Brasil. Mesmo a grande maioria dos mais ardorosos liberais clássicos (ou libertários) em nosso País, defensores da minimização do estado na economia (ou da sua ausência total), quando se explica que a inflação é um problema eminentemente monetário e que não se consegue representá-la por índices de preços, eles geralmente não entendem ou se mostram incrédulos.

Mas não era para ser assim. Afinal, os próprios economistas clássicos tinham dúvidas quanto à utilidade econômica dos índices de preços. Alfred Marshall, por exemplo, no seu Remedies for Fluctuations of General Prices, comenta, taxativamente, que uso deles como corretor inflacionário: ”não é só impossível, como está fora do imaginável”. Schumpeter, meio austríaco, meio liberal clássico, considera que: “Os índices de preços são uma medida pobre da inflação” (History of Economic Analysis). Já os economistas alinhados à escola austríaca contestam esses informativos numéricos por ocultarem o movimento relativo dos bens e serviços, uns com os outros. Ou seja, quando há aumento dos preços da carne bovina, por exemplo, passa-se a consumir menos dela e mais frango, peixe, etc. Mesmo assim, os índices, por problema técnico, ocultam esses movimentos, ao manter os “pesos” (ou as quantidades consumidas!) invariáveis, tornando-os inúteis, quando muito, às análises econômicas e sociais, para não dizer nocivos.

A título de ilustração, valendo-nos do comentário do Ministro Mantega, vamos imaginar uma pessoa, agindo no papel do banco central, conceda uma mesada de R$100,00 para seu filho e que ele a gaste R$ 50,00 em 20 litros de combustível (20 x 2,50) e R$ 50,00 indo 5 vezes ao cinema (5 x 10,00). Vejam, caso os combustíveis aumentem, por uma razão ou outra (a tal de inflação de custos!), para R$ 5,00 o litro, ele não poderá continuar consumindo os 20 litros de combustíveis e indo 5 vezes ao cinema. Para isso, teria que ter uma mesada de R$ 150,00. Caso o pai não lhe dê mais moeda, com apenas R$ 100,00 em mãos ele, inevitavelmente, tem que reduzir o consumo de combustíveis, de cinema ou de ambos. Não obstante, o cálculo os índices de preços indicaria uma “inflação” de 50%, incremento que passaria a ser usado como corretor de dissídios, contratos financeiros e causas civis diversas, causando desequilíbrios econômicos e injustas transferências de riquezas entre os agentes econômicos (maiores informações vide meu livro “Monetarismo vs Keynesianismo vs Estruturalismo, Ed. Globo, p. 156 a 162).

Cabe lembrar que foi Knut Wicksell quem nos ensinou, em 1936, em estudos sobre as causas que regulam o valor da moeda, que não existe a tal de “inflação de custos”, posto que tais altas não passam de aumentos relativos dos preços. Caso o Ministro Mantega conhecesse esses ensinamentos saberia que os preços dos combustíveis no Brasil, ainda que estejam relativamente muito altos, não têm culpa pela alta inflacionária. Ficaria chocado, talvez, ao saber que o único verdadeiro culpado é um dos seus subordinados administrativos, muito próximo a ele: o Banco Central Brasileiro.

* Economista

quarta-feira, 27 de abril de 2011

O descontrole da inflação e a má gestão dos juros

por Alfredo Marcolin Peringer*

Os rumores no País são de que o Ministro da Fazenda Guido Mantega só fica no governo se conseguir controlar a inflação. Para se resguardar, Mantega eximiu-se de responsabilidade, transferindo o ônus para um pseudo “surto inflacionário mundial”. Mas não ficou só nisso. Responsabilizou também toda a sociedade brasileira, ao afirmar: “o país está preparado para controlar a ‘alta de preços’”. Já conhecemos esses ardis político-mercadológicos. Quer desviar a atenção da moeda, causadora da inflação, acusando os “preços”. Seria a reedição da famosa turma dos “Fiscais do Sarney”. Mesmo que se advirta o Ministro de que a inflação é um problema eminentemente monetário, como um desenvolvimentista confesso, não deverá corrigir o rumo. É bem conhecida a deficiência de saber dos meandros monetários do ministro. Acha que pode haver crescimento econômico via inflação monetária, ignorando que não se trata de uma evolução sustentada, mas de um inchaço, que logo redunda em queda da atividade econômica e em desemprego. Temos que contar com o entendimento dos demais consultores da Presidenta de que os "preços" são consequência da má gestão da moeda pelo Banco Central, instituição, no caso, subordinada ao Ministério da Fazenda.

O fato é que a quantidade de moeda existente na economia pode (e deve) ser controlada pelos saldos da Base Monetária, agregado composto, em nosso país, pela moeda emitida e pelas reservas bancárias sob a guarda da autoridade monetária. A título de ilustração, em março de 2011, o valor da base era de R$ 180,8 bilhões (média dos saltos diários), valor esse R$ 22,1 bilhões superior ao de março de 2010, experimentando acréscimo de 13,9%. Vários fatores contribuíram para essa expressiva alta, mas os principais foram as operações com títulos públicos federais, no montante de R$ 126,8 bilhões no período, seguidas pelas operações do setor externo, no valor de R$ 110,0 bilhões, entre outras de menor expressão. Pelo lado da redução da base, estão os volumes de depósitos de instituições financeiras, no valor de R$ 157,3 bilhões e as operações do Tesouro Nacional, equivalentes a R$ 52,3 bilhões.

A análise dessa evolução mostra um fato marcante do período: a total atipicidade dos condicionantes da base monetária. Talvez por se tratar de ano eleitoral, o setor externo foi o único a mostrar variações normais. O alto ingresso de divisas, trocadas por moeda nacional, vão alimentar a alta da liquidez. Mas intriga que, no intervalo em análise, o banco central não haja usado, no global, a venda de títulos públicos federais para enxugar esse expressivo volume de dinheiro externo (R$110 bi). Ao contrário, as operações com títulos públicos federais inflaram ainda mais a base, onde algumas operações conspiram contra a lógica do sistema, a exemplo da compra, no mercado secundário, de R$ 119,7 bilhões de títulos públicos federais em apenas um único mês (dezembro/10), responsável por cerca de 95% do total dos doze meses dessas operações. Fica-se também perplexo com o registro de três depósitos de instituições financeiras, no montante de R$ 157,3, também fora dos padrões normais dessa conta, mas cuja ausência poderia permitir um verdadeiro tsunami de liquidez na economia brasileira, dado o alto giro da base, ao redor de 19 vezes anuais.

Tantas atipicidades nos levam a questionar algumas dessas operações, indagando se não são meras artimanhas contábeis, feitas a título de window-dressing, apenas para encobrir o excesso de liquidez na economia brasileira e permitir, dadas as convicções desenvolvimentistas do Ministro Mantega, um maior “crescimento” econômico. Tudo é possível! Mas a hipótese é branda, ainda que perversa economicamente, em relação à má gestão monetária global e ao mau gerenciamento dos juros no período. Afinal, as altas taxas de juros no Brasil são mantidas para facilitar o enxugamento monetário, através da venda dos títulos públicos federais, e permitir controlar, com isso, a inflação. Mas, paradoxalmente, o período foi de compra líquida desses títulos, configurando-se numa situação em que foram mantidas altas taxas de juros, não para vender, mas para comprar títulos públicos federais. As operações não apenas inflaram ainda mais a liquidez do mercado, como as despesas com a conta de juros, podendo alcançar algo em torno de R$ 190 bilhões anuais, altíssima para os padrões pobres da nossa economia.

A ênfase é a de que a gestão monetária pode ser feita de maneiras distintas, inclusive com a gestão direta da própria moeda. Os juros, por ser um fenômeno real, e por ser feito de maneira indireta, são os menos recomendáveis. Erra quem ignorar os simples mandamentos da teoria quantitativa da moeda que, em suma, afirmam: manter o crescimento monetário ao redor do crescimento do PIB. Os empregos do Ministro Mantega e do Presidente do banco central podem ser mantidos se eles seguirem esses mandamentos, pois não ocorrerá inflação!

* Economista

quinta-feira, 14 de abril de 2011

O seminário austríaco e o fórum da liberdade (A defesa da Praxeologia e do Liberalismo)

por Alfredo Marcolin Peringer*

Os apaixonados pela ciência econômica e pelos princípios do liberalismo foram plenamente gratificados com a realização, nos dias 08 a 10 de abril, da 2.ª edição do Seminário de Economia Austríaca – SEA. Foi uma louvável iniciativa do Mises Brasil (MB), ao selecionar conceituados mestres, provenientes da Argentina, Alemanha, França, Estados Unidos e Brasil, para falar sobre a Praxeologia, o método austríaco, a epistemologia das ciências, a inflação e as crises econômicas, entre outros temas menores alinhados às ciências sociais. Nos dias 11 e 12 de abril, foi a vez da realização da XXIV edição do já consagrado Fórum da Liberdade (FL), criação do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), onde diversos palestrantes dedicaram-se ao tema “A Liberdade na Era Digital”.

Inobstante os trabalhos estatísticos tenham registrado uma audiência de mais de cinco mil pessoas, direta e indiretamente, via transmissão de rádio e internet, o conhecimento transmitido nos dois acontecimentos não se restringe apenas a esse público. Ele é bem mais amplo. As informações se mantêm circulando e interagindo ao longo do tempo entre as pessoas, indo fazer parte integrante da cultura e dos costumes do País. O próprio Friedrich Von Hayek reconhece que: “o conhecimento não é assimilado imediatamente com as experiências e observações adquiridas”, mas de forma paulatina (The Fatal Conceit). Infelizmente, Hayek ignora que a evolução cultural, moral e dos costumes é fruto da própria ação praxeológica e que conta, também, com o conhecimento a priori, mais importante nas ciências sociais do que o empírico.

A responsabilidade, nesse aspecto, do MB é bem maior do que a do IEE. Ele lida com uma ciência social, a Praxeologia, conhecimento mais difícil de ser transmitido e assimilado do que o Liberalismo, de caráter ideológico. Pesa mais ainda o fato de estarmos lidando com a praxeologia econômica, ramo do conhecimento bem mais complexo do que o das próprias ciências naturais, como o da Física, considerada por Thomas Kuhn como a mais simples das ciências. De fato, tomando como exemplo o comentário do Professor Robert Murphy, palestrante do SEA, na sua coluna do Facebook, logo ao chegar ao hotel onde se hospedou, de que a água da privada girava no sentido horário, logo se entende o que ele queria dizer. Referia-se ao efeito de Coriolis, teoria que afirma que as marés e os ciclones se movimentam no sentido horário no hemisfério sul e no sentido anti-horário no hemisfério norte. Mas tudo não passou de uma brincadeira do Prof. Murphy, é claro, pois a referida lei física nem sempre é válida para pequenos volumes, como o da água de pias e banheiros. Mas recorro ao gracejo para mostrar a impotência do Homem para mudar o que está por trás das ciências. Por mais nobres que sejam as suas intenções, como a eliminação da seca de uma região e da enchente em outra, não se consegue alterar o movimento de Coriolis. Pode-se constatar, também, o fato de que não é o Homem que inventa esses movimentos e, sim, a “mãe’ natureza. Ele apenas sistematiza o seu funcionamento e a sua operacionalidade através de teorias que, uma vez reconhecida como verdadeiras, têm que ser respeitadas, desde que se queira tirar o melhor proveito prático delas. Ainda que esses fatos possam parecer óbvios nas ciências físicas, eles não são tão óbvios nas ciências humanas.

O axioma da ação e seus derivados, consubstanciados na ciência praxeológica, não são também invenções do Homem, mas da natureza humana. Não obstante os indivíduos participem do seu processo criativo, eles não conseguem alterar o seu curso de ação, individualmente. Infelizmente, muitos bons pensadores desconhecem isso. A nossa literatura filosófica encontra-se cheia de trabalhos “normativos” pretendendo mudar os fundamentos da ação humana, desconhecendo que estão “malhando em ferro frio”. Ainda que se deseje viver numa sociedade de homens puros, com princípios altruístas, morais e religiosos, as tentativas forçadas, desconsiderando os fundamentos da ação humana, não raro descambam para o lado oposto. São as sementes que culminam germinando a pobreza, a insatisfação dos indivíduos e as próprias revoltas sociais. Mas o erro não se restringe aos filósofos. Não são poucos os economistas burocratas que defendem um estado intervencionista, taxador e gastador, pensando que vão estimular a geração sustentada da riqueza, quando estão fazendo o contrário: reduzindo a poupança, os investimentos, a produção, a renda e os empregos, e promovendo, com isso, a pobreza. Aliás, toda a ação governamental quando ultrapassa a proteção da vida, da liberdade e da propriedade, começa a gerar desequilíbrios econômicos e sociais desmesurados.

Voltando ao profícuo trabalho do IEE na condução do Liberalismo, inobstante seja um princípio de fácil entendimento, a sua defesa exige mais trabalho do que o praxeológico. A facilidade se deve ao fato de não se estar lidando com uma ciência, mas com uma ideologia política. O maior trabalho deriva do seu contraponto, o Intervencionismo estatal, ideologia política que disputa com o liberalismo a administração econômica e social. Sem força científica, os seus ensinamentos e a sua aceitação ficam mais na dependência do poder verborrágico dos seus defensores, do que da razão. Os governantes tendem a achar o intervencionismo positivo e, não, negativo, como demonstram os ensinamentos econômicos praxeológicos. Logo, só com a ajuda da ciência praxeológica pode-se assegurar que o liberalismo, clássico ou libertário, é o único caminho sustentado, se os fins forem os de uma sociedade progressista, econômica e socialmente. Nota-se, ademais, que inobstante o Liberalismo precise da praxeologia econômica como base de sustentação, a Praxeologia econômica também precisa do estado liberal, não intervencionista, para o axioma da ação humana e dos seus derivados poderem funcionar a contento.

Finalmente, as idéias e conceitos, pinçados para realçar a fortíssima complementariedade das duas instituições — Mises Brasil, na defesa da ciência praxeológica misesiana, e o IEE, na defesa dos princípios liberais — indicam que cada instituição também se beneficia mutuamente defendendo, pari passu, tanto os pontos de vista liberais, clássicos ou libertários, quanto os praxeológicos misesianos.

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segunda-feira, 28 de março de 2011

A intervenção na VALE, um atentado econômico e social

por Alfredo Marcolin Peringer*

As pressões do governo para a substituição do Presidente da VALE S/A, Roger Agnelli, não são recentes, mas se acirraram nos últimos dias, com pedido direto do Ministro Guido Mantega para a sua saída, feito ao presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Lázaro Brandão. Embora a VALE tenha sido privatizada em 1997, o governo ainda exerce forte influência nela, através do BNDES e, indiretamente, da PREVI, Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, acionistas da empresa, hoje controlada pelo Bradespar, ligada ao Bradesco. Apesar dos impactos negativos que possa causar não só aos preços das ações da empresa e dos seus demais ativos, como também à sua lucratividade futura, com prováveis prejuízos para todos acionistas, grandes e pequenos, públicos ou privados, o governo parece decidido a manter a atitude.

As análises mais rudimentares vão mostrar que não há explicações aparentes para a dispensa de Agnelli, que não estejam em completo desalinho com as orientações do mercado. Trata-se de uma empresa privada e, por sinal, altamente lucrativa, principalmente depois 2001, ano em que Agnelli assumiu a presidência. Por outro lado, a tese de que a divergência surgiu com a cobrança de uma dívida de impostos sobre a mineração, algo ao redor de R$ 4 bilhões, e que a VALE não pagou por julgá-la improcedente, é fraca. Os bons resultados da companhia, com destaque para a lucratividade recorde de R$ 30 bilhões em 2010, e para os altos impostos deixados por ela ao erário, bem superiores, anualmente, ao valor global questionado pelo governo, enfraquecem a explicação.

Os verdadeiros motivos estão no interesse governamental pela empresa. Lamentavelmente, o Brasil é um país altamente estatizado. Prevalece, ademais, a inclinação socialista, principalmente no governo atual, em que o lucro, ou outro parâmetro de mercado, não costuma ser apreciado positivamente pelos governantes. Ao contrário, não é incomum ouvir deles considerações de que o lucro não passa de “ganância empresarial”, de ausência de “espírito público” ou de falta de “consciência social”. Um dos grandes erros da ideologia socialista é achar que os empreendedores, ao agir no interesse próprio, estão agindo em detrimento do “bem comum”, desvinculado do “bem social“. Esse erro é muito bem resumido por Milton Friedman, prêmio Nobel de economia, numa resposta dada a um jornalista, quando lhe perguntou: “o que uma empresa precisa fazer para cumprir o seu papel social” e ele respondeu, sem titubear: “gerar lucro. Sem lucro não há produção, renda, salário, emprego e, paradoxalmente, impostos, sem os quais o próprio governo não sobrevive.

A substituição do Presidente Agnelli por alguém mais próximo aos governantes lhes trará muitas vantagens. Terão à sua disposição, quase de imediato, um grande volume de empregos e de cargos para atender amigos e correligionários, pessoas que, uma vez empregadas, servirão também de bunker contra a oposição e apoio às iniciativas governamentais, inclusive de cunho eleitoral. Hoje essas posições estão em mãos contrárias. Não menos importantes são as verbas publicitárias, potencialmente altas, que vão ajudar nas articulações com sindicatos, imprensa, correligionários e opositores.

Quando incluímos na análise as demais intervenções governamentais, enfocando todo corpo da economia, fica mais aparente o paradoxo do estatismo exacerbado vigente em nosso País. O governo engana a sociedade, com muita publicidade e benesses feitas com o dinheiro alheio, dizendo que participa ativamente do processo produtivo e gerador de renda, salários e empregos, quando é bem ao contrário. Para sobreviver ele próprio precisa expropriar parte da produção, reduzindo a base de operacionalidade econômica e social. Mas incorre num contra-senso fatal, semelhante ao de um parasito, que de tanto sugar a seiva do seu hospedeiro, leva-o ao definhamento, comprometendo a própria sobrevivência.

Seria cômico, se não fosse trágico...

http://www.imil.org.br/

* Economista

domingo, 13 de março de 2011

A Revolta de Atlas: objetivismo x praxeologia

por Alfredo Marcolin Peringer*

Ayn Rand consubstanciou a 'Pedra Filosofal' da sua teoria Objetivista na magnum-opusAtlas Shrugged, traduzida recentemente pelo Instituto Millenium com o título de A Revolta de Atlas. Atlas, gigante da mitologia grega, representa no enredo as indústrias e demais atividades privadas, obrigadas a suportar nos ombros um pesado fardo estatal, via altos impostos e regras igualitárias e restritivas. Com a maestria de uma grande dramaturga, Rand envolve a obra com mistérios e tramas que cativam completamente o leitor, dando-lhe a impressão de que não está lendo uma obra filosófica, mas apenas um atrativo romance. Ademais, simplifica a teoria objetivista ao dividi-la em três grandes axiomas: existência, identidade e consciência. A vida é o axioma maior, principal objetivo moral do homem e que dá suporte aos demais valores morais para mantê-la. Rand, aristotélica confessa, explica, pela ‘lei de identidade’, que a realidade existe, é objetiva, e não pode ser falseada. Pela “lei de causalidade”, relaciona as identidades (boi e sapato, minério de ferro e automóvel), deixando implícito o concurso da mente humana, via ações produtivas, na transformação de uma identidade na outra. Nessa metamorfose é identificada a impossibilidade de haver consumo de maneira consistente sem que tenha havido antes produção. A Consciência, com a interação de três valores objetivos adicionais — razão, determinação e amor próprio — responde pelas ações e escolhas do Homem, necessárias à sua sobrevivência. No processo, os custos diretos e indiretos impostos pelo governo são considerados imorais e levam, com o tempo, à destruição social. Essa é a interpretação social objetivista.

A Praxeologia, por outro lado, ciência da ação humana, desenvolvida por Ludwig Von Mises, sustenta que o indivíduo age buscando substituir uma situação menos satisfatória por outra mais satisfatória. Nessa ação ele ignora as propriedades físicas ou químicas dos bens: a satisfação é obtida pelos valores subjetivos deles. Não contesta os valores normativos da Ética à conduta humana, até porque as ações praxeológicas estão conectadas, de maneira indissociável, aos valores morais, assim como aos limites impostos pela natureza. Porém, discorda que os valores objetivos possam explicar, cientificamente, as ações humanas. Ainda que aceite o alto valor moral da água à vida, a satisfação do Homem não está na totalidade desse bem, nem na sua constituição química ou física, mas numa pequena porção dela, em valores subjetivos. Aliás, sem essa subjetividade, não há possibilidade de haver comércio, nem preço, nem mercado, quanto mais ciência econômica.

Uma divergência mais forte entre as teorias refere-se à formação do conhecimento. No Objetivismo, a matéria-prima do conhecimento é a realidade objetiva, captada pela percepção sensorial. Na Praxeologia, o conhecimento vem a priori dessa realidade, não estando sujeito às comprovações empíricas, nem às regras de falseabilidade popperianas. Sabe-se, a priori, por exemplo, que todo imposto é um mal econômico e social e que essa verdade não consegue ser falseada, principalmente por dados estatísticos, como sói acontecer. Aliás, nesse aspecto, os praxeologistas seguem a máxima de Benjamin Disraeli: "há três tipos de erros: mentiras, mentiras detestáveis e estatísticas”.

Usando a realidade brasileira como padrão, caso A Revolta de Atlas fosse escrita por um praxeologista misesiano, os agentes privados, no papel de Atlas, não se revoltariam, nem fariam greve ou abandonariam suas empresas, deixando o governo à míngua, como Rand procede no romance. Não há prejuízo praxeológico aparente a esses agentes, que os levem a agir assim. Eles têm a liberdade de transferir os impostos aos preços finais dos bens ou de reduzir a produção, a renda e os empregos, adequando-os à menor demanda. Em ambos os casos, a maldade tributária fica difusa, enfraquecendo a resposta praxeológica. Mas a apatia da ação humana é mais forte no caso dos impostos indiretos. Embutidos nos preços, eles ficam ocultos, passando despercebidos aos consumidores. O resultado é um meio privado frágil e inerte e um meio burocrático forte e ativo, com alto poder de expropriação. Incentivado pelos gastos, as ações praxeológicas desse grupo crescem incontrolavelmente. E é completamente irrelevante, ao caso, se nas ações governamentais “as questões de verdadeiro e falso não entram em jogo; os princípios não têm qualquer influência; a lógica é impotente e a moralidade é supérflua”, narrado por Rand (P. 142, Volume III). Afinal o homem é o mesmo, esteja no serviço público ou privado. As suas ações também não são regidas por princípios éticos globais, mas pela realidade subjetiva cotidiana.

Infelizmente, o estudo praxeológico nos conduz às mesmas previsões catastróficas do Objetivismo, considerando o caso de “Atlas não se revoltar”: destruição econômica e social, ruptura da ordem democrática e assunção do oportunismo estatista totalitário. É questão de tempo...

* Economista.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

As difíceis condições da economia

por Alfredo Marcolin Peringer*

As decisões da Presidenta Dilma Rousseff, de entregar à iniciativa privada a construção e a operação dos novos terminais dos aeroportos de Guarulhos e Viracopos, transmitem otimismo. A administração governamental, além da falta de recursos, não tem a mesma eficiência da privada. A premissa encontra amparo em observações empíricas e em verdades teóricas. Hoje temos uma Saúde que agoniza; uma Previdência semifalida; e um setor de Segurança atrofiado em suas funções básicas de proteger a vida, a liberdade e a propriedade dos seus concidadãos.

As decisões da Presidenta são relevantes porque afetam a infraestrutura, cuja deficiência é mais comprometedora, devido a prejudicar a estrutura de capital da economia brasileira, responsável pela fabricação dos bens e serviços. Explicando, a estrutura de capital é composta por vários estágios de produção, que vão da fabricação dos bens de consumo final (utensílios de couro, por exemplo), ao inicial (a criação do gado), passando por estágios intermediários: frigoríficos e curtumes, pulando, depois, para o distributivo, onde os bens de consumo são postos à venda. Cada estágio conta com uma variedade de máquinas, equipamentos, prédios, matérias-primas, insumos, estoques de produtos semiprontos e prontos e mão de obra. Toda essa parafernália faz parte dos bens de capital, que se vão transformando, passo a passo, nos bens de consumo. Mas, nessa metamorfose, a infraestrutura (estradas, ferrovias, usinas, barragens, hidrovias, portos, saneamento básico, ensilagem, etc.) tem que prestar um bom serviço. Como está atrofiada, surgem desperdícios e custos diversos que penalizam a capacidade produtiva da economia.

Mas não fica só nisso. Há um inimigo ainda maior: os altos tributos. O governo vai, também passo a passo, expropriando, através dos impostos, cerca de um terço do que é produzido do estágio inicial ao final. Trata-se de uma renda que, alternativamente, seria poupada e usada para repor desgastes e investir em novos estágios de produção, necessários para aumentar a produtividade e gerar mais renda e empregos. Erroneamente, a contabilidade nacional costuma colocar na mesma balança os atos de poupança e investimento do setor privado, com os do governo. Nada mais absurdo. O governo não gera poupança. Ele a apropria via cobrança de impostos do setor produtivo. Caso ele investisse todo valor coletado em infraestrutura, o somatório dos seus investimentos ainda seria zero. Todavia, como mais de 90% dos gastos governamentais vão para consumo, os investimentos são negativos. Sei que vai doer em muitos, mas o governo é um Rei Midas às avessas: em vez de gerar riqueza, ela a destrói.

Infelizmente, a Presidenta Dilma herdou dos seus antecessores (mais do anterior) uma economia desequilibrada, com enormes problemas na sua estrutura de capital, que prejudicará o crescimento econômico sustentado por alguns anos.

* Economista

7 de janeiro de 2011 | N° 16560 ARTIGOS ZH