por Alfredo Marcolin Peringer*
Introdução
O Nihilismo é um termo polêmico, com muitos significados, mas, de uma maneira geral, consiste na negação das realidades ou dos valores considerados importantes dentro de uma sociedade. Filosoficamente, trata-se da negação da existência ou do conhecimento das verdades universais. Seu primeiro mentor, o filósofo Friedrich Heinrich Jacobi, no seu “On Faith” (1787), insere que o objetivo das coisas, em si, não pode ser conhecido diretamente, a não ser pela fé ou crença. Para Jacobi, mesmo os objetos reais só existem através da idéia que se faz deles. Friedrich Nietzsche, outro proeminente nihilista, também defende não haver na existência humana algo com sentido ou propósito, assim como verdades compreensíveis ou valores essenciais, sendo tudo vazio. Os próprios valores morais são reconhecidos como algo abstratamente forçado, camuflado de egoísmo e hipocrisia. Em resumo, para ele: “Tudo é vão”! — em que a existência humana é algo apático e inerte e onde o próprio Bem e o Mal são produtos das emoções sociais. Qualquer verdade, segundo Nietzsche: “é necessariamente falsa, uma vez que, simplesmente, não há um mundo verdadeiro” (Will to Power). Alavanca as suas idéias numa sociedade livre, onde os indivíduos, agindo racionalmente e de acordo com as suas necessidades materiais, orientam-se na arte de bem viver pelo conhecimento adquirido no dia-a-dia. Ao condenar, porém: “todas as doutrinas que sugam as energias expansionistas da vida”, inobstante o quanto sejam aceitas pela sociedade, condena, pari passu, a sua própria doutrina, denominada de “life-affirmation“.
O ligeiro comentário anterior foi feito à guisa de introdução a um novo tipo de nihilista, dentro de um campo mais estreito da teoria do conhecimento humano, o da Praxeologia, ciência da ação humana, desenvolvida por Ludwig Von Mises. Esse tipo ora tenta desconstruir as bases filosóficas dessa ciência, ora o axioma da ação, o seu método praxeológico, as suas proposições a priori ou o seu comportamento propositado ou consciente. Inobstante os argumentos nihilistas sejam insustentáveis, sem abrangência e mal definidos, impossíveis de afetar o cerne da Praxeologia, as suas roupagens atraentes acabam influenciando a população leiga e ganhando espaço midiático e também adeptos. Tais argumentos lembram Platão, em Eutidemo, um dos mais antigos tratados sobre a lógica das palavras, escrito na forma de diálogos, quando ironiza os sofistas, mestres da arte erística, argüindo que para agregar conhecimento se precisa ir além das palavras: mostrar algo verdadeiramente útil e de cunho prático à vida das pessoas. Buscamos as lições de Platão, porque tanto a Utilidade quanto o Praticalismo são duas colunas sobre as quais se assenta a Praxeologia.
As críticas dos moralistas
Dentro do ranço nihilista, a Praxeologia já foi acusada pelos moralistas de estar sustentada em prazeres mundanos, confundindo o Utilitarismo praxeológico com o Epicurismo dos anos 300 a.C. vigente em Atenas. Bem ao contrário, os fundamentos praxeológicos utilitaristas podem ser interpretados também como “um estado feliz de espírito”, padrão de ética visado por Aristóteles e Santo Thomas de Aquino, e que estão presentes tanto nas ações que envolvem o comércio de bens e serviços, quanto na ida a um centro ecumênico. Ignorar os fundamentos éticos da ação humana é fechar os olhos para o fato de que, quando os indivíduos agem, eles não levam em conta apenas os limites da natureza, mas, também, as imposições legais e morais prevalecentes na sociedade. Ninguém vai agir, de uma forma consistente, se imaginar que vai cair num precipício ou ferir as leis e costumes morais aceitos pela sociedade.
As críticas à ação e ao método apriorístico
Outro ataque dos hackers praxeológicos verifica-se na ação, em si. Nesse caso, a acusação é a de que o homem não age. São acusações sem importância, devido às contradições que carregam, pois, para negar a ação, só recorrendo à outra ação, o que torna o argumento acusativo falso. Afinal, para contestar algo, tem que se praticar uma ação, seja pesquisando, seja escrevendo algo a respeito. Mas os “desconstrutores” não se intimidam com os próprios erros e partem para novas investidas. A última tentativa de refutação foi contra a categoria a priori, lançada por Paul Lewis, usando, confusamente, uma crítica com base no “argumento privatista” de Wittgenstein, feito contra os “modelos’ ou “planos” que são desenhados de maneira brilhante no papel, imaginando que o mentor que vá colocá-lo em prática tenha “olhos de águia” e consiga enxergar muito de cima e consertar os desajustes em tempo certo e de maneira lógica, e assim fazer com que tudo funcione perfeitamente. A título de ilustração, esse é o caso do brilhante modelo Walrasiano, bonito e prático... no papel. Mas, também, o da realidade socialista, cujo modelo é acusado por Mises de não passar de um daqueles “games de brinquedo”. A realidade é outra, bem diferente! Nela prevalecem as motivações individuais que, em total dissintonia com a central burocrática, levam os modelos ao fracasso. Só que o método apriorístico praxeológico não se adéqua ao argumento de Wittgenstein. Nele, como Mises comenta:
“A experiência é apenas a matéria prima da qual a mente constrói o que chamamos de conhecimento. Todo conhecimento está condicionado por categorias que precedem, no tempo e na lógica, quaisquer informações da experiência. As categorias são a priori; elas são o equipamento mental dos indivíduos que os habilitam a pensar e a agir. Como todos os raciocínios pressupõem categorias a priori é perda de tempo se tentar prová-los ou refutá-los” (The Ultimate Foundation of Economic Science).
Não há nada forçado na categoria “a priori” da ciência praxeológica, oculto, ou que não possa ser esclarecido pela razão ou, enfim, que exijam “olhos de pássaros” para orientá-lo, além do mercado. Os métodos empíricos, ou a teoria da falseabilidade de Karl Popper, podem até ser válidos para as ciências naturais, mas são inadequados para as ciências sociais.
As criticas ao caráter propositado ou consciente da ação
Outro ataque, diz respeito ao caráter propositado ou consciente da ação, desferido pelo nihilista H.L. Mencken, ao ironizar: “Não consigo me lembrar de ter desempenhado um único ato inteiramente voluntário”. Para ele, a ação humana é um produto da carga genética e da acumulação cultural do homem ao longo do tempo, adquirida pelos instintos, tornando a ação algo inconsciente e imprevisível. São conclusões hilárias, se não fossem trágicas. Para a Praxeologia não faz diferença a bagagem cultural ou intelectual das pessoas ou se uma ação provém de um indivíduo culto, inculto, enérgico, indolente ou, mesmo, psicótico. Todos agem almejando alcançar fins, independente da destreza ou do seu estado mental, desde que consciente. A “ação é o emprego de meios para atingir fins”, como ensina Mises (Ação Humana). Pode derivar de ações simples do dia-a-dia (troca de bens e serviços; tomar um táxi ou ir de metrô), ou complexas, visando o futuro (construção de uma usina atômica). A acumulação de conhecimento apenas facilita a ação, tornando menos arriscado os fins almejados, mas não a elimina. Ao contrário, a aprimora. A ação humana propositada funciona tão perfeitamente que Mencken não precisa nem se preocupar com o pão, o leite e o suco que lhe vêm na mesa todas as manhãs, dia após dia. Tudo isso é o resultado de atos conscientes. Pena ele não saber que esse formidável sistema de mercado é o resultado da ação humana propositada. Mas, para reavivar a memória dele, a crítica que faz ao comportamento propositado da ação — infundada, diga-se de passagem! — já consiste numa ação propositada, ainda que finja “não se lembrar”. Infelizmente, trata-se de mais um ataque proveniente de alguém que desconhece completamente a ciência praxeológica, coisa comum no terreno das “desconstruções” das ciências sociais, regida pela Praxeologia.
Conclusão
Cabe um registro final, à guisa de conclusão, para comentar que a grande lição que fica das “desconstruções” no campo da Praxeologia é a da total falta de entendimento do que realmente seja essa ciência e as suas proposições e os seus métodos, assim como seus fundamentos, pelos seus críticos. Nota-se que o desentendimento prevalece mais quando se trata da praxeologia econômica, paradoxalmente a mais desenvolvida das ciências humanas até o presente. Tudo porque, infelizmente, ainda que tenhamos o domínio de como usar as palavras, não temos a tecnologia para reconhecer e avaliar o real entendimento tanto de um sentimento, quanto de uma teoria ou de uma idéia por parte de quem critica, fala ou escreve. Precisamos lembrar os ditames de Platão, em suas críticas aos sofistas: Chega de retórica! Enfim, se os desconstrutores sociais quiserem, de fato, agregar algo à teoria do conhecimento ou, mais especificamente, ao campo da filosofia das ciências sociais, eles têm que ir além da erística e criar um arcabouço científico que seja tão útil e tão prático aos seres humanos quanto à ciência praxeológica, construída por Ludwig Von Mises. Só que, ao tentarem isso, vão fatalmente esbarrar em praticamente todas as categorias praxeológicas desenvolvidas por Mises, do axioma da ação, aos seus fundamentos filosóficos, seus princípios e métodos e suas proposições...
Julho/2011
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