sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A estrutura de capital austríaca e a macroeconomia: uma simbiose impossível

por Alfredo Marcolin Peringer*

http://www.professorperinger.blogspot.com/

Considero um erro metodológico, e um prejuízo ao avanço do estudo da ciência econômica, a união dos princípios da mainstream economics (ME) com os da escola econômica austríaca (EEA), praticado por alguns dos seus defensores, dentro do campo da teoria de capital1. Ignoram a dimensão do disparate das suas pretensões, ao colocar no mesmo prisma conceitos totalmente distintos do ponto de vista da ME e da EEA. A diferença entre as escolas começa com o próprio conceito de equilíbrio econômico, mas se estendem ao do tempo, do capital, do investimento, da poupança, das taxas de juros e da renda. Os ‘austríacos’, a começar, não trabalham com situações de equilíbrio, mas com a economia em constante desequilíbrio. Ora são as quebras de safras, ora o aumento da demanda por um determinado produto, ora uma nova mercadoria que surge no mercado, entre tantos outros desbalanceamentos econômicos. Os empreendedores mais atentos, que conseguem perceber os desequilíbrios antes dos demais, entram comprando, vendendo, produzindo ou investindo. São ações movidas pelo lucro, mas que ajustam os desequilíbrios. Aliás, quanto mais inventiva for uma economia, mais desequilíbrios ela tenderá a gerar e, consequentemente, mais ganhos tenderá a propiciar aos empreendedores mais hábeis, sem contar que a maior parte dos desajustes estão relacionados à estrutura de capital.

Não é para menos que a estrutura de capital, devido à sua complexidade, é o local onde surgem as divergências mais acentuadas entre a ME e a EEA. Enquanto o tempo é uma categoria econômica para os austríacos, é negligenciado pelos defensores da mainstream economics, dando, por isso, uma interpretação unidimensional ao capital. Encobrem os seus aspectos multidimensionais, como a dimensão da sua estrutura, formada por vários estágios de produção, responsáveis pela fabricação dos bens intermediários (prédios, máquinas, equipamentos, matérias prima, insumos, entre outros) que vão integrar mais adiante a fabricação dos bens de consumo finais. Quanto mais distante estiver cada estágio de produção do consumo, dado pelo tempo que leva da fabricação do bem intermediário até a venda dos bens de consumo final, maior será o juro implícito do negócio. Como a ME não trabalha com uma estrutura de capital multidimensional, desconsidera as funções específicas do tempo real, dos custos, dos juros, dos lucros e riscos integrados em cada etapa de produção. Se conhecessem todo esse intricado processo, talvez desistissem de somar o capital e de apresentá-lo de forma agregada, na tentativa de trabalhar com um conceito econômico — diga-se de passagem! — burro: a média.

Outra consideração importante dentro da teoria de capital austríaca é a impossibilidade de separação do conceito de investimento do de poupança, considerada coisas distintas pela ME: seus lideres desconhecem que a essência de ambos é a mesma. O Capital, no seu longo trajeto da fabricação dos bens intermediários até os bens de consumo finais, gera renda, principalmente salários, juros e lucros. Era isso que Jean Baptiste-Say queria nos dizer na sua célebre frase: “é a oferta que gera a demanda”. A poupança é a renda gerada e não gasta em bens de consumo. Contrário ao que a ME prega, a poupança não fica ociosa. Ela se mantém dentro do sistema econômico, investida na estrutura de produção intermediária (prédios, máquinas, matérias-primas, insumos e na própria mão-de-obra dos diversos estágios de produção, assim como na compra de bens de consumo duráveis) ou conservada como um poder de compra temporário.

Ainda que possa haver boa intenção dos “macroeconomistas austríacos”, as tentativas de agregação desse complexo sistema não têm nexo verdadeiramente econômico. São elucubrações tão irreais quanto os “faz de conta” dos socialistas e estatistas na elaboração do cálculo econômico fora do mercado, criticada por Ludwig Von Mises, com uma analogia dos jogos de guerra, praticados por uma criança (ME), e uma verdadeira guerra, enfrentada em campo de batalha por um soldado (EEA). A agregação, da mesma forma, fornece resultados utópicos, irreais, sem validade teórica pelos mandamentos da EEA. Logo, não se trata de “purismo acadêmico”, como alegam os macroeconomistas austríacos, mas uma batalha contra algo vazio ou com custos maiores do que benefícios.

Friedrich Von Hayek, a propósito, o maior mentor positivista da Teoria do Capital Austríaca e dos ciclos econômicos, faz um alerta no Prefácio do seu “La Teoria Pura del Capital”, ao comentar que o intento de sistematização dentro da teoria de capital abre lacunas que deixam o conteúdo praticamente inútil para as análises complicadas. E os erros se acentuam nos estudos mais avançados dos ciclos econômicos. As agregações escondem que os excessos monetários ou creditícios, que levam aos ‘booms’, afetam os diversos estágios de produção de maneira heterogênea. Nos ‘busts’, então, quando a atividade econômica para se recuperar precisa, antes, do desmanche dos investimentos e empregos malfeitos, a agregação não se torna apenas nula e inútil, mas fortemente nociva, abrindo o espaço para as incursões da ME, que acredita ser possível apagar o fogo usando mais gasolina (mais excessos monetários).

Ao passarmos, então, do estudo positivista da teoria do capital para o praxeológico, o erro das agregações e das diagramações sofisticadas se agiganta. Ludwig Von Mises, no seu “A Ação Humana”, comenta que: “A Economia não é, como os ignorantes positivistas repetem a toda a hora, atrasada pela falta de mensuração quantitativa. Ela não é ‘quantitativa’ porque não trabalha com dados ou variáveis constantes”. Elas obscurecem a análise das ações empreendedoras dos indivíduos, feitas geralmente na busca da redução dos custos, dos prazos, da inovação tecnológica, dos novos meios de se fazer as escolhas, da melhora da qualidade dos bens de capital e do produto final. A inutilidade dos resultados das agregações dentro da teoria de capital e dos ciclos econômicos torna-se saliente quando se analisa passo a passo as ações dos indivíduos. O maior custo das agregações, como se depreende, recai no aprendizado econômico. Os fundamentos praxeológicos deram força científica ao estudo da economia e das demais ciências sociais. Qualquer empecilho que venha a enfraquecer ou tolher a análise do emaranhado social e econômico dentro do campo da ação humana e da sua categoria universal, no tempo e no espaço, deve ser suprimido sob qualquer pretexto.

(1) Roger W. Garrisson, “Time and Money: The Macroeconomics of Capital Structure” (Routledge, Londres, 2001), traduzido e simplificado em “A MACROECONOMIA DA ESTRUTURA DE CAPITAL”, por Ubiratan Jorge Iorio (Fev/2010)

domingo, 21 de novembro de 2010

O G20 discute o perfunctório e esquece o essencial: o padrão ouro

por Alfredo Marcolin Peringer*

As discussões dos países integrantes do G20 em Seul em torno da “guerra cambial” — situação em que todos tentam desvalorizar as suas moedas para estimular as vendas internacionais — eram esperadas. A surpresa ficou por conta da utopia de que a tal “guerra” possa ser resolvida diplomaticamente. As soluções apresentadas, uma com acordos de superávits ou déficits comerciais em torno de 4% do PIB, e outra semelhante ao “Acordo Plaza”, estabelecido em 1985 entre os USA e alguns países desenvolvidos, e que agora se quer adaptá-lo à situação do G20, com acordos de desvalorizações coordenadas, são, na essência, soluções perfunctórias. Ignoram que a dispersividade relativa dos problemas econômicos e políticos de cada país tornam difíceis, senão impossíveis, as sincronizações monetárias e cambiais. Mais importante, não levam em conta, também, que a prevalência do interesse próprio de cada governante, de caráter imediatista, em função do curto período eletivo, praticamente os obriga a agir na defesa da economia interna, mesmo que em detrimento da externa. Esse é o caso da recente decisão do governo americano de injetar mais US$ 600 bilhões para amenizar a sua crise imobiliário-financeira, pouco se importando se isso prejudicará os demais ou não.

O fato é que as decisões do G20 seriam mais efetivas caso revelassem os efeitos cosméticos dessas intervenções governamentais, com seus efeitos positivos de curta duração e que logo se revertem em negativos ao próprio País, por estimular o consumo, em detrimento dos investimentos. Aliás, se fossem eficazes, a economia americana já estaria recuperada, diante dos trilhões já emitidos na forma de “ajuda“.

Os equívocos se mantêm devido à inconsistência praxeológica dos sistemas, cuja formatação não só facilita como incita a ingerência estatal. Felizmente, essa verdade vem estimulando a volta do “padrão ouro clássico”, tanto pela experiência bem sucedida com ele ao longo de um século (1815 a 1914), quanto pelas considerações teóricas de — “Preservar o sistema monetário da influência governamental e das incertezas políticas”, como assegura Ludwig Von Mises no seu The Theory of Money and Credit, referindo ao “padrão ouro austríaco” (advoga um nível de 100% de reservas). Ainda que haja oponentes ao sistema, eles confundem, na sua maioria, o “padrão ouro sujo”, vigente no entreguerras, sem conversibilidade, com o “padrão ouro clássico”, com conversibilidade monetária. Em contraposição, vem aumentando o número dos defensores do regime, inclusive em qualidade, como o Presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, que já admite a possibilidade de retorno desse padrão.

Enfim, já aparece uma luz no fim do túnel. Ela nos alegra, pois a adoção do regime eliminará a “guerra cambial” e blindará os países contra a intrusão governamental na moeda, no câmbio e na elaboração de orçamentos fantasiosos, sem consistência no longo prazo. Caso a preferência recaia, então, no “padrão ouro austríaco”, teremos um sistema imune às crises e mais adequado à manutenção da ordem democrática. http://www.professorperinger.blogspot.com/ *Economista

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O populismo vs o socialismo bolivariano

por Alfredo Marcolin Peringer*

Causou impacto há algumas semanas as declarações de Fidel Castro a Jeffrey Goldberg, jornalista americano, de que o modelo socialista cubano não funciona sequer para Cuba. Ainda que Fidel, diante da repercussão política negativa, haja levado para o terreno do mal entendido, Goldberg foi implacável, ironizando que a expressão “o modelo cubano não funciona sequer para nós mesmos”, significa “o modelo cubano não funciona sequer para nós mesmos".

Mas o desabafo de Fidel não deve causar espanto. Gorbachev já fez o mesmo com relação à União Soviética. Só que, infelizmente, não conseguiu apoio do Politburo para flexibilizar a economia. Deng Xiaoping foi mais feliz. Desde 1978, quando a China iniciou as reformas na direção do “socialismo de mercado”, o País não parou mais de crescer e o povo de melhorar de vida. O PIB, ainda que não seja um índice adequado, dá uma noção desse crescimento: saiu de US$ 202 bilhões em 1980, para US$ 4,9 trilhões em 2009 (FMI) e os índices de pobreza caíram de 53% para menos de 8% no período, números que sugerem a correção da medida (Martin Ravallion and Shaohua Chen, “China’s Progress Against Poverty”, Policy Research Paper 3408, Development Research Group, Washington D. C).

Francis Fukuyama, ao analisar as mudanças, pode até achar que estava certo ao prognosticar, na obra "O Fim da História", o término dos regimes socialistas totalitários. Mas não. Paradoxalmente, outros países vêm fazendo o caminho inverso, reduzindo as relações econômicas dentro do mercado e aumentando as do Estado. O caso brasileiro é emblemático. Tomando a carga tributária como representativa do tamanho governamental, ela passou de cerca de 20% do PIB em 1980, para algo em torno de 40% em 2009*. Inevitavelmente, a apropriação cada vez maior da poupança privada pelo setor público estancou o crescimento brasileiro. Adotando-se novamente o PIB como referência, nota-se que ele passou de US$235 bilhões em 1980 (inicialmente maior do que o da China!), para US$ 1,57 trilhão em 2009, ou menos de um terço do PIB chinês. (* Obs.: percentual ajustado para incluir as alterações da base de cálculo do PIB feitas pelo IBGE).

Se os políticos brasileiros não aprendem com a história, têm que aprender com a teoria. E Ludwig Von Mises é uma boa fonte. Mostra, de forma axiomática, que o socialismo é ineficiente na geração de renda e empregos, devido à impossibilidade de realização do cálculo econômico. Em outras palavras, a alocação dos bens de capital, feita por meios burocráticos, não tem a mesma eficácia da feita pelo sistema de preços, gerando pobreza relativa, perda da liberdade e excesso de opressão, ao menos para os não alinhados ao sistema (vide ‘Socialism, an Economic and Sociological Analysis’).

Felizmente, para o povo cubano, os irmãos Castro dão indícios de que, ao menos, darão uma guinada na direção da economia de mercado, ao noticiar recentemente que estimularão a iniciativa privada para absorver os cerca de 500 mil servidores públicos que pretendem demitir até o fim do primeiro trimestre de 2011. Ao menos, porque ainda ficam faltando as reformas democráticas.

Mas, enquanto isso, aqui no Brasil, o quadro continua na direção inversa. O governo atual loteou, desde que assumiu, todos os espaços da máquina pública do País com seus correligionários. E o futuro governo, avaliado pelo currículo das duas pessoas que concorrem para sucedê-lo, nos deixa uma expectativa tão ou mais negativa do que a atual: uma delas é simpatizante confessa do populismo, e a outra, pior ainda, é uma forte defensora do “socialismo bolivariano”...

Deus nos proteja!

http://www.professorperinger.blogspot.com/
*ECONOMISTA

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A difícil evolução das ciências humanas,

por Alfredo Marcolin Peringer*

Raul Seixas era um artista que cantava o lúdico, o romântico e o poético, mas, também, o lado prático da vida. Algumas músicas dele extasiam, inclusive, pelo bom teor filosófico, como no caso de “As Aventuras na Cidade de Thor”, onde recita: "Tem gente que passa a vida inteira/Travando a inútil luta com os galhos/Sem saber que é lá no tronco/Que tá o coringa do baralho”. Refere-se às lutas equivocadas, praticados pelos homens, em todos os campos. Aliás, quanto mais letrados, mais graves tendem a ser os erros. Einstein dizia que “o progresso científico é como um machado nas mãos de um criminoso patológico”.

Os anais das ciências estão cheios de equívocos de grandes pensadores. No período da “revolução cientifica”, séculos XVI e XVII, o saber científico centrava-se na filosofia mecânica. Nesta teoria, todo e qualquer fenômeno era explicado pelas leis do movimento dos corpos. Gene Callahan, economista e escritor americano, conta fatos bizarros da época. Para René Descartes, a atração magnética se dava pela emissão de minúsculas partículas em forma de parafusos que, ao “atravessarem os poros dos objetos de aço, puxavam-nos para o magneto”. Não menos esquisita era a tese de Thomas Hobbes para a formação do gelo: “um vento constante que age contra os líquidos, pressionando as partes de baixo contra as de cima, até coagular”. Richard S. Westfall, citado por Callahan, afirmava que o apego à filosofia mecânica atrasou em mais de um século o desenvolvimento das ciências ópticas, só para citar um caso (Scientism Standing in the Way of Science).

São fatos cômicos, se não fossem trágicos, no dizer de Einstein. Hoje se repetem no campo das ciências sociais ou humanas, principalmente no seu ramo mais desenvolvido, a Economia. No setor público gaúcho, por exemplo, os inúmeros projetos e agendas criados para modernizar e controlar seus gastos, redundam sempre em fracassos, devido ao uso de métodos cativos das ciências físicas, inadequados numa área de trabalho humana. Ludwig Von Mises ensina que “a Economia não é uma ciência experimental e empírica”, como é o caso das ciências naturais. Nela prevalece a ação do homem, que faz escolhas, que age, reage e se omite buscando melhorar de vida. O uso da razão e dos instintos gira em função dos custos e benefícios esperados pelos agentes. Mises chamou esses estudos de Praxeologia, ciência ou teoria geral da ação humana, válida universalmente, em qualquer tempo, local e cultura (Ação Humana).

Pelos estudos praxeológicos, pode-se concluir que os projetos calcados em padrões estatísticos ou mecânicos são inócuos para controlar os gastos dos governos: não contemplam a ação do homem para sair de uma situação menos satisfatória, para outra mais satisfatória. E sem o vínculo de um sistema de estímulos humanos, vamos continuar “lutando inutilmente contra os galhos”...

ZERO HORA 26 de agosto de 2010 *Economista

segunda-feira, 14 de junho de 2010

A insensatez dos tributos sobre os ricos

É famosa no anedotário econômico a estória de dois indivíduos, um social-democrata e outro liberal clássico, discutindo sobre economia, em que o primeiro, querendo mostrar as vantagens do distributivismo, afirma que em seu país estavam conseguindo eliminar os últimos ricos. Já o liberal, com certa ironia, responde: “.. já em meu país estamos acabando com os últimos pobres”.

O gracejo me veio à mente ao saber que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal aprovara o imposto sobre grandes fortunas. Aliás, lembrei do chiste quando li que a Receita Federal anunciara haver “fechado o cerco às grandes empresas” e, agora, “mapearia os cidadãos mais ricos do País”. Alarmei-me mais ao ouvir o presidente Lula dizer, na Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), em Brasília, que: “Quem tem carga tributária de 10% do PIB não tem Estado”.

Urge, nessas horas, repensar as atribuições do Estado e dos governos em nosso País. John Locke (1632-1704) e David Hume (1711-1776), autoridades no assunto, ensinaram que o Estado nasceu para assegurar três direitos básicos aos indivíduos: a vida, a liberdade e a propriedade (sistema conhecido como minarquia, com custo inferior para a população de 5% do PIB). Frederic Bastiat (1801-1850) deu mais consistência ao tema. No seu “The Law”, diz: “a vida, a liberdade e a propriedade não existem em razão das leis. Ao contrário, pelo fato de a vida, a liberdade e a propriedade já existirem, é que foram criadas as leis”. Bastiat é responsável ainda por antever que se o Estado buscar outras atribuições, não atenderá nenhuma delas satisfatoriamente.

Já Hans-Hermann Hoppe (1949-), filósofo e economista alemão, é cético a qualquer tipo de governo. Baseado nas leis praxeológicas de Ludwig Von Mises, ensina que os indivíduos agem no interesse próprio, estejam no serviço privado ou público. E os agentes do governo, usando “seus privilégios monopolísticos para maximizar as próprias riquezas e os próprios poderes”, logo farão crescer as funções e os gastos governamentais (Democracy, the God that Failed). De fato, quando os recursos não têm dono, ou quando são bens livres, as pessoas tendem a abusar no seu uso. Os tributos até podem ser criados apenas para gravar os ricos; mas depois passam a pegar os remediados; no fim, incluem os pobres e, até, os mendigos. Não é retórica: os tributos incidentes sobre a cadeia produtiva fazem essa maldade.

Mas o erro maior ainda está em achar que os tributos sobre os ricos não prejudicam os pobres. Abraham Lincoln, político sábio, já ensinava: “não ajudarás os pobres, se eliminares os ricos”. O conselho é axiomático. A alta tributação sobre os ricos atinge relativamente mais os pobres: reduz o capital intermediário, inibe a poupança, os investimentos e os empregos.
Alfredo Marcolin Peringer
Economista

quinta-feira, 29 de abril de 2010

As “marolinhas” e as ondas depressivas

por Alfredo Marcolin Peringer*
Quem lê o livro de Lewis Carroll Alice no País dos Espelhos, no trecho em que Humpty Dumpty responde para Alice: “Quando eu emprego uma palavra, eu quero dizer exatamente o que eu quero que ela diga, nem mais, nem menos”, transporta-se facilmente à retórica dos políticos brasileiros. Às vezes, eles jogam tanto com as palavras, que se pode extrair delas qualquer coisa, menos lógica e objetividade. O adjetivo “social” é emblemático. Usam-no de tantas maneiras e de forma tão ambígua, que ele pode significar uma luta (guerra social) ou uma cura (medicina social). Friedrich Von Hayek, inconformado com o mau uso da palavra, faz um registro de 160 significados dela, classificando-a como: “A mais confusa expressão em todo o vocabulário moral e político”. Comenta ainda que o abuso da expressão: “Levou-a a adquirir tantos diferentes significados, a ponto de se tornar sem serventia como um instrumento de comunicação” (Fatal Conceit).
Mas o diálogo de Lewis também nos remete aos impenetráveis termos econômicos, principalmente aos usados pela doutrina em voga no mundo, conhecida por mainstream economics. Nessa literatura, o conceito de “moeda” ganhou tantos significados, que acabou deturpando a sua principal função: a de meio de troca. A moeda é considerada a protagonista do cenário produtivo, quando não passa de uma coadjuvante, sem luz própria. Foram ignorados completamente os ensinamentos clássicos de Jean Baptiste Say, tão bem resumidos na expressão: “É a oferta que gera a demanda”. A demanda precisa nascer dos fundos gerados pelos bens de capital no seu processo de fabricação dos bens de consumo. A poupança – valores não gastos em bens de consumo! – sustenta os gastos em bens de investimentos. Inobstante no crescimento da demanda, causado por emissões de dinheiro sem lastro na oferta, a moeda ganhe temporariamente o papel de mocinha (acelera, artificialmente, o crescimento econômico!), logo ela vira bandida: a alta não passa de um inchaço, insustentável no tempo e acaba, inevitavelmente, em depressão.
Por outro lado, a depressão seria passageira se o mercado fosse deixado livre para reequilibrar o sistema. As ações humanas assemelham-se aos anticorpos de um organismo vivo atacado pela doença. “A fase depressiva é, na verdade, uma fase de recuperação”, como alerta Murray Rothbard (Man, Economy and State). Assim, as injeções de liquidez na economia, com a pretensão de compensar a diminuição dos saldos monetários, erram o alvo. Ela ocorre por força da redução da velocidade de circulação da moeda, em razão da queda dos negócios entre empresas, no setor de bens de capital. E o Brasil errou o alvo. Precisa agora enxugar rapidamente essa liquidez. Caso contrário, o intervencionismo estatal transformará a nossa “marolinha” numa grande onda depressiva.
*Economista

terça-feira, 9 de março de 2010

Os interesses dos burocratas

Alfredo Marcolin Peringer*
O livro de William C. Mitchell e Randy T. Simmons “PARA ALÉM DA POLÍTICA” percorre a tradição da “Teoria da Escolha Pública”, cujo principal expoente é James Buchanan, economista americano laureado com o prêmio Nobel de Economia em 1986, justamente por mostrar, de forma sistemática, a força benéfica do mercado operando livremente, em contraponto aos sistemas estatais, submetidos aos interesses próprios de políticos e burocratas, que usam o governo para fins pessoais, em detrimento da economia e da sociedade.
A obra de Mitchell e Simmons também faz a defesa intransigente do mercado e dos direitos de propriedade, pilares de toda e qualquer sociedade humana verdadeiramente livre. Apoiada na tese da “mão-invisível” de Adam Smith, expõe com clareza como a ação humana leva o interesse privado ao interesse coletivo. Foi a forma de os autores avisarem aos adeptos da “teoria do bem-estar social”, principais críticos da atividade privada, de que não há falhas nas economias de mercado que não possam ser sanadas com a ajuda do próprio mercado. Àqueles que gostariam que essas falhas fossem corrigidas pela ação estatal, avisam que isso é impossível: os governos costumam piorar o problema, em vez de resolvê-lo. A razão consiste no fato de que as regras básicas da atividade pública distorcem as ações, mesmo que seus agentes sejam altruístas e bem informados.
O ponto forte do livro se encontra nas falhas do governo e na importante advertência aos críticos do mercado de que os políticos e burocratas também agem voltados para seus próprios interesses. Só que, diferentemente do mercado, Mitchell e Simmons mostram teórica e empiricamente que apenas uma pequena porção das ações políticas acaba se revertendo em benefício público e, assim mesmo, no curto prazo. No longo prazo, ao afetar a atividade econômica, acabam também gerando o mal. Analisam o caso de uma pessoa gastando o dinheiro dos outros com terceiros, com a de outra gastando o próprio dinheiro com ela mesma, concluindo que nunca a primeira dará a ele o mesmo valor do que a segunda. Solidificam a idéia de que o processo político, além de promover a ineficiência, trás sempre consigo um viés perverso: atende mais aos interesses dos ricos do que aos dos pobres, fato que agrava as diferenças sociais, em vez de remediá-las.
Mas os políticos e burocratas por certo apreciarão o livro. A obra mostra ao mau político como agir para obter sucesso. Ensina onde buscar todos os incentivos perversos disponíveis na esfera pública e as informações tendenciosas, uma verdadeira aula aos inescrupulosos. Esse, aliás, é o lado paradoxal do livro. Mas será que os autores poderiam evitá-lo? Talvez não. Contudo, poderiam ter ensinado como superar o problema. Ainda que hajam culpado os incentivos patológicos do sistema público, defendido a redução do tamanho do Estado e acusado os governos de virem “gerenciando a democracia para seus fins” ou de estarem “mais interessados em poder político do que em liberdade e crescimento do PIB”, Mitchell e Simmons são pessimistas quanto a uma solução duradoura para o dilema. O pessimismo está ancorado na força do interesse próprio e no fato de que quando os recursos não têm dono, os indivíduos tendem a abusar do seu uso.

* Economista

Fonte: Revista AMANHÃ
Edição 261, 2010 — Janeiro/Fevereiro