segunda-feira, 28 de março de 2011

A intervenção na VALE, um atentado econômico e social

por Alfredo Marcolin Peringer*

As pressões do governo para a substituição do Presidente da VALE S/A, Roger Agnelli, não são recentes, mas se acirraram nos últimos dias, com pedido direto do Ministro Guido Mantega para a sua saída, feito ao presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Lázaro Brandão. Embora a VALE tenha sido privatizada em 1997, o governo ainda exerce forte influência nela, através do BNDES e, indiretamente, da PREVI, Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, acionistas da empresa, hoje controlada pelo Bradespar, ligada ao Bradesco. Apesar dos impactos negativos que possa causar não só aos preços das ações da empresa e dos seus demais ativos, como também à sua lucratividade futura, com prováveis prejuízos para todos acionistas, grandes e pequenos, públicos ou privados, o governo parece decidido a manter a atitude.

As análises mais rudimentares vão mostrar que não há explicações aparentes para a dispensa de Agnelli, que não estejam em completo desalinho com as orientações do mercado. Trata-se de uma empresa privada e, por sinal, altamente lucrativa, principalmente depois 2001, ano em que Agnelli assumiu a presidência. Por outro lado, a tese de que a divergência surgiu com a cobrança de uma dívida de impostos sobre a mineração, algo ao redor de R$ 4 bilhões, e que a VALE não pagou por julgá-la improcedente, é fraca. Os bons resultados da companhia, com destaque para a lucratividade recorde de R$ 30 bilhões em 2010, e para os altos impostos deixados por ela ao erário, bem superiores, anualmente, ao valor global questionado pelo governo, enfraquecem a explicação.

Os verdadeiros motivos estão no interesse governamental pela empresa. Lamentavelmente, o Brasil é um país altamente estatizado. Prevalece, ademais, a inclinação socialista, principalmente no governo atual, em que o lucro, ou outro parâmetro de mercado, não costuma ser apreciado positivamente pelos governantes. Ao contrário, não é incomum ouvir deles considerações de que o lucro não passa de “ganância empresarial”, de ausência de “espírito público” ou de falta de “consciência social”. Um dos grandes erros da ideologia socialista é achar que os empreendedores, ao agir no interesse próprio, estão agindo em detrimento do “bem comum”, desvinculado do “bem social“. Esse erro é muito bem resumido por Milton Friedman, prêmio Nobel de economia, numa resposta dada a um jornalista, quando lhe perguntou: “o que uma empresa precisa fazer para cumprir o seu papel social” e ele respondeu, sem titubear: “gerar lucro. Sem lucro não há produção, renda, salário, emprego e, paradoxalmente, impostos, sem os quais o próprio governo não sobrevive.

A substituição do Presidente Agnelli por alguém mais próximo aos governantes lhes trará muitas vantagens. Terão à sua disposição, quase de imediato, um grande volume de empregos e de cargos para atender amigos e correligionários, pessoas que, uma vez empregadas, servirão também de bunker contra a oposição e apoio às iniciativas governamentais, inclusive de cunho eleitoral. Hoje essas posições estão em mãos contrárias. Não menos importantes são as verbas publicitárias, potencialmente altas, que vão ajudar nas articulações com sindicatos, imprensa, correligionários e opositores.

Quando incluímos na análise as demais intervenções governamentais, enfocando todo corpo da economia, fica mais aparente o paradoxo do estatismo exacerbado vigente em nosso País. O governo engana a sociedade, com muita publicidade e benesses feitas com o dinheiro alheio, dizendo que participa ativamente do processo produtivo e gerador de renda, salários e empregos, quando é bem ao contrário. Para sobreviver ele próprio precisa expropriar parte da produção, reduzindo a base de operacionalidade econômica e social. Mas incorre num contra-senso fatal, semelhante ao de um parasito, que de tanto sugar a seiva do seu hospedeiro, leva-o ao definhamento, comprometendo a própria sobrevivência.

Seria cômico, se não fosse trágico...

http://www.imil.org.br/

* Economista

domingo, 13 de março de 2011

A Revolta de Atlas: objetivismo x praxeologia

por Alfredo Marcolin Peringer*

Ayn Rand consubstanciou a 'Pedra Filosofal' da sua teoria Objetivista na magnum-opusAtlas Shrugged, traduzida recentemente pelo Instituto Millenium com o título de A Revolta de Atlas. Atlas, gigante da mitologia grega, representa no enredo as indústrias e demais atividades privadas, obrigadas a suportar nos ombros um pesado fardo estatal, via altos impostos e regras igualitárias e restritivas. Com a maestria de uma grande dramaturga, Rand envolve a obra com mistérios e tramas que cativam completamente o leitor, dando-lhe a impressão de que não está lendo uma obra filosófica, mas apenas um atrativo romance. Ademais, simplifica a teoria objetivista ao dividi-la em três grandes axiomas: existência, identidade e consciência. A vida é o axioma maior, principal objetivo moral do homem e que dá suporte aos demais valores morais para mantê-la. Rand, aristotélica confessa, explica, pela ‘lei de identidade’, que a realidade existe, é objetiva, e não pode ser falseada. Pela “lei de causalidade”, relaciona as identidades (boi e sapato, minério de ferro e automóvel), deixando implícito o concurso da mente humana, via ações produtivas, na transformação de uma identidade na outra. Nessa metamorfose é identificada a impossibilidade de haver consumo de maneira consistente sem que tenha havido antes produção. A Consciência, com a interação de três valores objetivos adicionais — razão, determinação e amor próprio — responde pelas ações e escolhas do Homem, necessárias à sua sobrevivência. No processo, os custos diretos e indiretos impostos pelo governo são considerados imorais e levam, com o tempo, à destruição social. Essa é a interpretação social objetivista.

A Praxeologia, por outro lado, ciência da ação humana, desenvolvida por Ludwig Von Mises, sustenta que o indivíduo age buscando substituir uma situação menos satisfatória por outra mais satisfatória. Nessa ação ele ignora as propriedades físicas ou químicas dos bens: a satisfação é obtida pelos valores subjetivos deles. Não contesta os valores normativos da Ética à conduta humana, até porque as ações praxeológicas estão conectadas, de maneira indissociável, aos valores morais, assim como aos limites impostos pela natureza. Porém, discorda que os valores objetivos possam explicar, cientificamente, as ações humanas. Ainda que aceite o alto valor moral da água à vida, a satisfação do Homem não está na totalidade desse bem, nem na sua constituição química ou física, mas numa pequena porção dela, em valores subjetivos. Aliás, sem essa subjetividade, não há possibilidade de haver comércio, nem preço, nem mercado, quanto mais ciência econômica.

Uma divergência mais forte entre as teorias refere-se à formação do conhecimento. No Objetivismo, a matéria-prima do conhecimento é a realidade objetiva, captada pela percepção sensorial. Na Praxeologia, o conhecimento vem a priori dessa realidade, não estando sujeito às comprovações empíricas, nem às regras de falseabilidade popperianas. Sabe-se, a priori, por exemplo, que todo imposto é um mal econômico e social e que essa verdade não consegue ser falseada, principalmente por dados estatísticos, como sói acontecer. Aliás, nesse aspecto, os praxeologistas seguem a máxima de Benjamin Disraeli: "há três tipos de erros: mentiras, mentiras detestáveis e estatísticas”.

Usando a realidade brasileira como padrão, caso A Revolta de Atlas fosse escrita por um praxeologista misesiano, os agentes privados, no papel de Atlas, não se revoltariam, nem fariam greve ou abandonariam suas empresas, deixando o governo à míngua, como Rand procede no romance. Não há prejuízo praxeológico aparente a esses agentes, que os levem a agir assim. Eles têm a liberdade de transferir os impostos aos preços finais dos bens ou de reduzir a produção, a renda e os empregos, adequando-os à menor demanda. Em ambos os casos, a maldade tributária fica difusa, enfraquecendo a resposta praxeológica. Mas a apatia da ação humana é mais forte no caso dos impostos indiretos. Embutidos nos preços, eles ficam ocultos, passando despercebidos aos consumidores. O resultado é um meio privado frágil e inerte e um meio burocrático forte e ativo, com alto poder de expropriação. Incentivado pelos gastos, as ações praxeológicas desse grupo crescem incontrolavelmente. E é completamente irrelevante, ao caso, se nas ações governamentais “as questões de verdadeiro e falso não entram em jogo; os princípios não têm qualquer influência; a lógica é impotente e a moralidade é supérflua”, narrado por Rand (P. 142, Volume III). Afinal o homem é o mesmo, esteja no serviço público ou privado. As suas ações também não são regidas por princípios éticos globais, mas pela realidade subjetiva cotidiana.

Infelizmente, o estudo praxeológico nos conduz às mesmas previsões catastróficas do Objetivismo, considerando o caso de “Atlas não se revoltar”: destruição econômica e social, ruptura da ordem democrática e assunção do oportunismo estatista totalitário. É questão de tempo...

* Economista.